O funk carioca foi silenciado na maior favela de São Paulo, Heliópolis. Pela polícia. A pedido de moradores. Há dois fins de semana, acabou o som alto que saía de potentes alto-falantes de carros estacionados nas ruas e vielas. Nada mais das cenas de adolescentes dançando ou bebendo madrugada afora, garantem os PMs. A paz voltou a reinar na comunidade…

Essa é uma história mal contada.

Em um sábado típico em Heliópolis, podem ocorrer oito grandes festas simultâneas, para quase 10 mil moradores. A diversão está ali, a maior parte dela de graça. São eventos promovidos pela e para a comunidade, sem intermediários, nem produtores de cultura. O artista vai ao encontro do seu público, e não o contrário. Os sambistas Almir Guineto, Leci Brandão, Netinho de Paula já realizaram shows na favela. A questão é que das oito festas, seis são bailes funks. Nesse caso, agora milhares de jovens não têm mais o que fazer.

A perseguição da polícia ao funk, como ocorre rotineiramente no Rio de Janeiro, é tratada como algo trivial: trabalhadores querem dormir, as ruas ficam sujas, o trânsito beira o insuportável. A imprensa, que só entra em favela acompanhada pela PM, aceita e reverbera a simplificação.

Em Heliópolis, a PM realizou a primeira operação no dia 7 de maio. Motos sem documentação foram apreendidas. Neste fim de semana, a ronda impediu a volta dos bailes. Os policiais estavam atendendo aos que reclamavam da barulheira nas sextas-feiras, sábados e domingos, cerca de 50 queixas de moradores por noite.

Há cerca de três anos, a equipe Máquina introduziu o funk carioca em Heliópolis. Ela trazia um caminhão de som, alugava equipamento de som e tinha até DJ. Os 2 mil jovens que ali se divertiam faziam até vaquinha para garantir a realização dos próximos shows. A moda pegou e outras equipes foram surgindo, como a Família Ninguém Dorme e o Bonde da Três. O pancadão tomou conta de vez das ruas e dos núcleos da favela, como 13 de Maio, Paquistão e Babalu. As festas começavam no início da noite e terminavam com o nascer do sol.

O funk carioca não se expandiu à toa num território antes dominado por samba, pagode, forró e rap. Com letras entre maliciosas e divertidas, passou a sintetizar o novo Brasil, que tem orgulho de si mesmo e não se prende a regionalismos.

“O funk ocupou o espaço que antes era do rap, com a diferença de que é alegre. O rap não acompanhou as mudanças do país, continuou fazendo música de protesto e falando de coisas tristes”, resume Reginaldo José Gonçalves, coordenador-geral da rádio comunitária Heliópolis FM (87,5 MHz) e diretor da União de Núcleos, Associações e Sociedades de Moradores de Heliópolis (Unas).

Reginaldo vê saída para o rap em nomes como Emicida, Criolo e Rapadura, que perceberam que podem fazer música de protesto, mas também de amor e/ou de celebração. O funk fez e deu certo. DJ Regis, como é mais conhecido, reconhece a rivalidade entre o rap e o funk. Ele próprio é rapper do grupo Avante o Coletivo. Mas se engana quem pensa que Regis comemorou o proibidão do pancadão.

Como líder comunitário, um dos responsáveis pelo Ponto de Cultura na maior favela de São Paulo, ele se preocupa com o que vai ser daqui por diante. “Houve exageros, sim. Tentamos alertar o pessoal pra se organizar, mas não dá pra negar que o funk era uma diversão, onde os jovens podiam fazer uma amizade, na maior tranquilidade. Vai ficar um buraco na comunidade.”

Por ora, restaram poucas opções. Na quadra da Imperador do Ipiranga, que promove shows com atrações famosas, o morador tem de pagar ingresso. Na da Unas, também núcleo do Ponto de Cultura de Heliópolis, ocorre uma vez por mês a gratuita Balada Black, patrocinada pelo Guaraná Antarctica. Ou seja, nada de álcool. Mesmo os pais mais preocupados levam os filhos adolescentes, na confiança de que ali estão mais seguros. No sábado, rolou a primeira balada LGBT da comunidade.

“Tudo o que nasce da periferia precisa ser encarado com um olhar diferente. Nós que vivemos aqui conhecemos os lados positivo e negativo”, diz Regis. “Quando alguém imaginaria reunir 2 mil jovens com organização e nenhuma violência? Aqui, a Virada Cultural não chega e mesmo assim só dura um dia. E para o resto do ano?”

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