Cineastas, atores, atrizes, roteiristas, produtores, distribuidores, animadores e outros profissionais do audiovisual brasileiro divulgaram na noite desta quinta-feira, 11, um manifesto de apoio ao ator Wagner Moura. O desagravo se refere à reação de políticos, lobbistas e uma ala de governo ao vídeo, divulgado na manhã de quarta-feira pelo FAROFAFÁ, no qual o ator tece críticas à forma como foi conduzida até agora a regulação do VoD (Video sob Demand), que vai regrar o mercado de streaming no Brasil, e pede ação urgente do governo Lula e do Ministério da Cultura.

A partir da divulgação do vídeo do ator baiano, começou uma verdadeira “guerra de áudios” demonstrando inconformismo com o diagnóstico de Wagner Moura. Chegaram a exigir pedidos de desculpas do artista, mas ele não pretende se retratar. A primeira grande reação à fala dele veio da própria Ministra da Cultura, Margareth Menezes. A ministra, segundo o jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, teria afirmado o seguinte: “A gente sabe que não vamos ter a melhor coisa, a melhor regulação, mas a gente precisa ter alguma até para promover melhoras. E o ambiente desregulado eu acho que não é vantagem pra ninguém. É um governo que está do lado do setor, não precisa nem dizer. Acho que está bem nítido o que a gente precisa trabalhar”.

Outro que reagiu quase imediatamente ao vídeo foi o senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso, em outro áudio. “É importante esclarecer à classe artística que, em 2022, nós ganhamos a eleição para a presidência da República e perdemos para o Congresso. Nós temos um Congresso desfavorável”, justificou Randolfe, revelando que o texto de regulação do streaming, hoje no Senado após aprovação na Câmara, teve o aval do governo para seguir adiante. “Desculpa a revolta, mas eu não sei que mundo o pessoal está. Tem lobbies aqui. A gente conseguiu o melhor possível do texto. Infelizmente, nem tudo é exatamente do jeito que queremos, porque é esse o Congresso que temos, com enormes limitações”.

“Quando eu vi esse vídeo, eu senti uma revolta enorme”, diz o áudio mais polêmico da série que passou a circular na quinta-feira, atribuído à produtora Paula Lavigne. “Porque eu sou testemunha de como o MinC não para de trabalhar e como as coisas estão difíceis no Brasil, como as coisas estão difíceis para o governo. Eu não sou do governo, eu não sou do PT, não sou filiada a partido nenhum. Eu, sim, sou progressista, mas não sou injusta”, diz o depoimento. A controvérsia maior está no final, quando a produtora conclui que tudo é resultado de sabotagem contra a ministra Margareth Menezes, e dá nome aos presumíveis conspiradores.

“Eu tô junto com o MinC vendo todo o sacrifício que eles vêm fazendo, e o empenho do governo, para nossas causas da indústria criativa. E aí esse senhor… Eu liguei para o Waguinho (Wagner Moura), e ele me disse que esse senhor, Paulo Alcoforado, vou abrir outro parêntese aqui, que o Manoel Rangel (ex-presidente da Ancine) me pediu para ajudar a marcar a sabatina dele (Paulo Alcoforado) para ser diretor da Ancine. Trabalhei intensamente para isso, porque eu achava que era o melhor para o audiovisual. Hoje eu estou muito arrependida. Muito. Porque a pessoa pegar o telefone, ligar para o Wagner Moura, para orientar ele a falar contra o governo e o MinC, eu não consigo entender. No momento em que todo mundo está revoltado com esse Congresso. Porque quem faz a lei é o Congresso. Então não depende… E a gente sabe que está perdendo no Congresso. Hoje é dia 10 de dezembro, quarta-feira, todo mundo dormindo, de madrugada, e o Congresso vai lá e passa uma anistia light, um verdadeiro golpe. E aí a gente vai lá e acorda com um vídeo, do nosso maravilhoso Wagner Moura, cobrando o MinC e o governo como se o MinC e o governo não fizessem nada. E eu realmente eu saí do sério. E pensei nas vezes em que a gente, como aquele secretário, que a gente merece coisas desse nível. Me dá uma tristeza…”, ela afirmou. “Desculpe o áudio enorme, o desabafo, muito arrependida de ter ajudado colocar esse senhor, Paulo Alcoforado, que, junto com Jandira (Feghali, deputada) e Manoel Rangel, conspiram contra a Maga (Margareth Menezes), porque a Jandira queria ser ministra. A verdade é essa. Está no áudio, está gravado. Hoje eu posso garantir isso”.

O que chama a atenção em todas as manifestações dos articuladores do PL do Streaming (que taxa em 4% as plataformas estrangeiras, e ao mesmo tempo lhes dá a possibilidade de usar os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, para onde serão recolhidos os impostos, e usar no fomento às suas próprias produções) é que todos tratam o texto em exame no Senado como obra pronta, intocável e já fora do alcance da negociação. Há, inclusive, a possibilidade de ser aprovado no Senado um texto ainda mais daninho do relator (e favorável às big techs), o do senador Eduardo Gomes (PL-TO), derrubando a tributação para irrisórios 3%. Mas há manifestações de senadores e da sociedade civil que não dão essa fatura como pronta, e boa parte do setor quer inclusive que seja suspensa a votação.

LEIA O MANIFESTO DA CLASSE AUDIOVISUAL A FAVOR DE WAGNER MOURA, NA ÍNTEGRA:

Os profissionais do audiovisual e entidades signatárias deste documento, que incluem roteiristas, diretores, produtoras independentes, distribuidores, animadores e diversos profissionais da cadeia do audiovisual brasileiro, vêm a público manifestar profunda preocupação com a condução e os desdobramentos do processo de formulação dos Projetos de Lei de regulamentação do streaming no Brasil, atualmente terminativo no Senado. Estamos alinhados com manifestações recentes – como as do ator Wagner Moura, da atriz Júlia Lemmertz e dos atores Paulo Betti e Antonio Pitanga. Concordamos que estes projetos como estão, não são bons para o Brasil.
Apoiamos igualmente a posição de senadores como Rogério Carvalho (PT-SE) e Humberto Costa (PT-SE),
que têm denunciado na tribuna do Senado os Projetos de Lei em tramitação e a forma como fragilizam a
indústria audiovisual brasileira.

Lamentamos a circulação de áudios de representantes do governo no Congresso e que vêm repercutindo
amplamente nas redes que sugerem que o setor deveria aceitar passivamente qualquer forma de
regulação, ainda que insuficiente, sob a justificativa de dificuldades na composição política atual do
Congresso. Entretanto, em outras pautas, quando o governo do Presidente Lula se empenhou em bloco
por uma causa, demonstrou capacidade de articulação e de obtenção de vitórias legislativas — inclusive
neste mesmo Congresso, como no caso da ampliação da faixa de isenção para trabalhadores que recebem até cinco mil reais. Essas conquistas se deram, em grande medida, com mobilização social. Da mesma forma, o setor audiovisual não deixou de oferecer apoio para que o processo de regulamentação do streaming fosse conduzido com transparência, consistência e alinhamento aos interesses públicos, da indústria brasileira e de uma regulação justa e soberana.

É falsa a afirmação de que não há alternativas. O Senado dispõe de instrumentos regimentais, como a
apresentação de destaques durante a votação, que permitem suprimir trechos problemáticos do projeto.
O Presidente Lula, por sua vez, pode exercer o direito ao veto sobre os artigos considerados inaceitáveis.
Além disso, caso haja vontade política, o governo pode ainda encaminhar uma Medida Provisória que
restaure dignamente uma regulação soberana.

Um processo mal conduzido pelos órgãos responsáveis.

Apesar dos alertas de toda a cadeia produtiva e criativa, o processo foi conduzido sem a escuta efetiva e cuidadosa dos segmentos historicamente responsáveis pela construção do cinema e da televisão no Brasil. Em conjunto, diversos ministérios envolvidos infelizmente não deram a devida prioridade ao
tema. Diversas contribuições técnicas foram ignoradas, e decisões estratégicas foram tomadas sem transparência e sem a participação adequada da totalidade do setor independente — justamente o setor
que sustenta a diversidade cultural, a renovação estética e a geração de empregos qualificados em todo país.

O resultado é um retrocesso estrutural
Independentemente do arranjo final que venha a ser aprovado ao fim das negociações em curso, o resultado já representa um grave retrocesso em pontos cruciais. Ao permitir que 60% dos recursos públicos destinados ao audiovisual brasileiro sejam decididos por empresas estrangeiras, o país abdica de sua capacidade soberana de orientar políticas culturais de interesse nacional.

É inaceitável que empresas estrangeiras que repatriam bilhões de reais por ano para fora do Brasil passem a definir a destinação dos recursos advindos da regulação ao invés destes serem destinados ao Fundo Setorial do Audiovisual responsável por fortalecer a nossa produção, os nossos criadores e a nossa cultura.

Não podemos e não iremos celebrar o “menos pior”.

Não se pode comemorar a lógica do “menor dano possível” como se fosse uma vitória. O audiovisual
brasileiro, cuja força foi historicamente construída por políticas públicas consistentes e pela inteligência
criativa de milhares de profissionais, não pode aceitar que a agenda de autorregulação corporativa substitua o compromisso com o desenvolvimento cultural, social e econômico do país. Não podemos entregar a curadoria e o poder de contar as nossas histórias a um escritório estrangeiro que aprova ou reprova qual história será contada.

O papel insubstituível da produção independente

O Brasil só terá diversidade de narrativas, formação de público, inovação estética e democratização do acesso se a produção independente nacional for o eixo estruturante da política audiovisual. Qualquer desenho que esvazie o FSA e a Ancine, que fragilize a decisão pública ou concentre o poder nas plataformas estrangeiras ameaça diretamente a soberania cultural, a pluralidade artística e o futuro do ecossistema audiovisual da criação à exibição. Além de promover desigualdade, concentração de recursos em poucos atores e desestruturação dos mecanismos que já existem e são fruto de lutas históricas do setor.

Nosso compromisso

Os profissionais do audiovisual e entidades signatárias deste documento, reafirmam seu compromisso
com uma regulamentação moderna, equilibrada e alinhada às melhores práticas internacionais —
incluindo cotas robustas de investimento, obrigações claras de promoção de conteúdo brasileiro,
governança pública e transparente do FSA.

Reiteramos: não aceitaremos um modelo que entregue a definição do audiovisual brasileiro a interesses privados estrangeiros, em detrimento do interesse público, da autonomia criativa e do desenvolvimento do país. O audiovisual brasileiro merece mais. O Brasil merece mais.


Somos Todos Wagner Moura!

Assinam as entidades:

ABRA – Associação Brasileira de Autores RoteiristasSTIV
ABRANIMA – Associação Brasileira de Animação
ABRACI – Associação Brasileira de Cineastas
AEXIB – Associação dos Exibidores Brasileiros de Cinemas de Pequeno e Médio Porte
APACI – Associação Paulista de Cineastas
API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro
AVIBA – Articulação Audiovisual do Interior da Bahia
Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano (SASB)
SINDAV-MG – Sindicato da Indústria do Audiovisual de Minas Gerais
Sindcine: Sindicato dos trabalhadores cinematográficos e do audiovisual de SP,RS,GO,
MT, MTS , TO e DF.

PAVIC – Pesquisadores de Audiovisual, Iconografia e Conteúdo

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