
A Câmara dos Deputados divulgou nesta segunda, 27, o relatório da Lei do Streaming (Projeto de Lei 8889/2017) com o substitutivo do relator, deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), texto que deverá regular a atuação das plataformas de vídeo sob demanda (VoD, na sigla em inglês). Além de confirmar a alíquota máxima de tributação das plataformas (4%), o texto permite que os produtos estrangeiros sejam financiados com descontos da arrecadação estabelecida para as big techs. Conforme o relatório, as plataformas poderão deduzir até 70% do valor da contribuição devida desde que tenham investido:
1 – na contratação de direitos de exploração comercial, de licenciamento ou de pré-licenciamento de conteúdos brasileiros independentes;
2 – na produção própria de conteúdos, na hipótese de o contribuinte qualificar-se como produtora brasileira, observando-se o limite de 40% (quarenta por cento) do valor total da dedução referida no caput;
3 – na remuneração a criadores de conteúdo brasileiros em contraprestação aos conteúdos disponibilizados por meio de serviço de compartilhamento de conteúdos audiovisuais provido pelo contribuinte; e
4 – na formação e capacitação de mão de obra voltada ao ecossistema audiovisual no País.
Esse dispositivo faz com que a tributação, na prática, seja inócua, e equipara a produção estrangeira à nacional. A outra decorrência é que repassa a empresas privadas (e o pior: estrangeiras) uma função que é precípua do Estado brasileiro. Produtores e especialistas no ramo audiovisual analisaram outras implicações do texto. O texto cria certa insegurança jurídica ao não vincular taxativamente a Condecine do streaming ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), reserva que fomenta o audiovisual brasileiro pela via de instituições financeiras credenciadas. Isso configuraria desvio de finalidade tributária, além de enfraquecer o principal mecanismo que dá sentido à existência da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Também se apontou que o relatório manteve apenas 10% de cota de catálogo nacional, quando o setor defendia 20%.
O texto do Dr. Luizinho mantém a obrigação de se destinarem, no mínimo, 30% (trinta por cento) para produtoras brasileiras independentes estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e CentroOeste; e, no mínimo, 20% (vinte por cento) a produtoras brasileiras independentes estabelecidas em municípios pertencentes às regiões Sul e Sudeste.
As plataformas deverão passar a recolher a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) em percentuais bastante inferiores ao que a relatoria anterior, da deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), propunha – e 8% a menos do que o setor acredita ser o ideal, em comparação com legislações europeias e de vizinhos latino-americanos. As instituições do setor (sindicatos e associações) sugerem barrar a votação açodada e propor emendas para corrigir as distorções do texto do Dr. Luizinho
O cenário é de um ambiente conflagrado para a votação, que parece atender com mais presteza ao lobby das big techs. “O projeto, apresentado como ‘regulação’, é na verdade uma renúncia (fiscal) disfarçada, que subordina o audiovisual nacional aos interesses do mercado global, desmontando o princípio da soberania cultural brasileira”, afirmou a documentarista Luciana Sérvulo. A área do audiovisual também se ressente da ação explícita do governo, que seria representado pelo Ministério da Cultura no debate. Muitos produtores e artistas criticaram em fóruns de redes sociais a ministra da Cultura, Margareth Menezes, que está de viagem marcada para o Cairo na sexta-feira, 31, onde vai participar da inauguração do Grande Museu Egípcio. “Seria como se (Fernando) Haddad estivesse visitando a Torre de Piza na semana mais estratégica para se votar a reforma tributária”, afirmou um diretor, em off.
O Ministério da Cultura soltou uma nota oficial sobre o teor do relatório, do qual só tomou conhecimento essa manhã, segundo o texto. “De forma preliminar, o MinC reconhece o esforço do relator, deputado Dr. Luizinho, mas considera que o texto ainda apresenta necessidades de melhorias técnicas e mudanças de modelagem para ter condições de avançar à votação”, afirma o documento.
Estima-se que o setor audiovisual movimente, no Brasil, 56 bilhões de reais por ano, gerando meio milhão de empregos. Não se sabe o tamanho do mercado de streaming nessa equação, o STF acaba de impor à Netflix, a maior plataforma, por sonegação, uma multa de 3,3 bilhões de reais por ter remetido cerca de 33 bilhões de reais à sua sede entre 2022 e 2025 e não ter recolhido a CIDE. Muita gente do setor está achando açodado o movimento de levar um texto regulatório a votação sem a participação da área produtiva nacional. Alguns produtores estão comparando à votação do PL da Bandidagem, que acabou caindo no Senado Federal.
VEJA ABAIXO COMO FOI PROPOSTA A TABELA PROGRESSIVA DA CONDECINE DO STREAMING:
