Depois da escritora Conceição Evaristo, o Itaú Cultural segue resgatando uma dívida histórica com mulheres negras cujos trabalhos, atos e reflexões fundamentam a luta contra a silenciosa (e também a ruidosa) segregação racial brasileira; neste sábado, dia 28, abre-se a Ocupação Sueli Carneiro, uma mostra presencial de grande importância simbólica. São mais 140 peças, de fotografias a documentos do arquivo pessoal da ativista, filósofa, escritora e intelectual Sueli Carneiro, de 71 anos (além de textos, artigos, livros, matérias, objetos pessoais e religiosos, dois deles cedidos pelo Museu Afro). Monitores mostram cinco audiovisuais produzidos pela curadoria, com depoimentos de intelectuais e membros do movimento negro e cinco telas de TV espalhadas no espaço expositivo com vídeos de arquivo.
Nascida na capital paulista, em 1950, Sueli Carneiro tem o reconhecimento de uma griô (pessoa de notória sabedoria, com responsabilidade histórica sobre uma comunidade e guardiã das lutas coletivas). Ela teve papel preponderante na adoção de cotas raciais no Brasil, evidenciando em discurso no Supremo Tribunal Federal que a estrutura social, econômica e cultural brasileira se assenta sobre uma estratégia de manutenção da exclusão. Foi fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, espaço de solidariedade e acolhimento das mulheres negras para a discussão de temas considerados tabus, como sexualidade e direitos reprodutivos. O Geledés, ao longo dos anos, criou o SOS Racismo – Assessoria Jurídica em Casos de Discriminação Racial, com atendimento gratuito, e atende mulheres vítimas de violência doméstica e sexual. A ação coletiva do Geledés culminou na instalação, em 1993, da primeira Delegacia de Crimes Raciais no Brasil.
O Geledés criou um Programa de Saúde, providenciou auxílio jurídico por meio do programa das Promotoras Legais Populares (PLPs) e o Projeto Rappers (coordenado por Solimar Carneiro), com aulas de literatura, capoeira, feminismo e capacitação profissional, entre outros mecanismos de defesa do povo preto.
No início da exposição, há um jardim real de plantas e ervas, simbolizando a ligação de Sueli com os orixás no Candomblé. No centro de tudo, a cenografia construiu uma árvore gigante cujas folhas são feitas de escamas de peixe. Na sequência, o visitante acompanha o seu desenvolvimento desde antes de seu nascimento até a atualidade, passando pela chegada da filha Luanda e suas relações com familiares (a exposição montou sua árvore genealógica), amigos e companheiras da luta feminista.
A mãe de Sueli Carneiro, Eva, veio de Campinas para São Paulo. O pai, José Horácio, nasceu em Ubá, Minas Gerais, estabelecendo-se posteriormente em São Paulo. Nascida em 1950 e filha única até os quatro anos de idade, a pequena Aparecida Sueli Carneiro foi a primeira de sete irmãos. Cresceu na Vila Bonilha, bairro de maioria branca, e foi com os pais que aprendeu a não aceitar o racismo institucionalizado na sociedade. Sua mãe a ensinou a ler, em casa, antes de ingressar na escola. Em 1972, começou a trabalhar como auxiliar de escritório na Secretaria da Fazenda de São Paulo. Foi quando conheceu Sonia Nascimento, que viria a ser a grande parceira com quem, quase 20 anos mais tarde, fundaria o Geledés.
Casou com o fotógrafo egípcio Maurice Jacoel, judeu nascido no Cairo e emigrado para o Brasil ainda criança, e ingressou no curso de filosofia da Universidade de São Paulo, a USP. É hoje doutora em educação pela universidade. Sueli e Maurice se casaram em 1973. Em 1980, nasceu Luanda, cujo nome homenageia a capital de Angola e as lutas pela libertação na África. O casal se separou. A filha deles, Luanda, hoje é artista, dançarina e performer e mora na Noruega (uma de suas saias será montada à maneira de um parangolé na mostra).