Uma imagem do quase rock star Winston (direita) nos tempos em que a banda I.W.Company, de Niterói, ainda estava ativa e os fuscas dominavam a Terra

Muita gente adora decretar que o rock morreu, o rock morreu, o rock morreu. Mas eis aqui uma história que vai no sentido oposto, de como o rock ressuscitou. E melhor ainda: estava perfeitamente em forma, melhor até do que quando morreu.

É o caso da singular banda niteroiense I.W. Company, que volta a ressoar nesta semana como artefato musical 52 anos após sua aventura inicial, depois de quase virar pó. Recolocada em cena pelo trabalho quase arqueológico de um documentário filmado em 2016, Faixa Escondida – I.W. Company, de Marco Dreer, o grupo (todos os integrantes ainda estão vivos) vê a música da qual já tinha até mesmo se esquecido voltar a entusiasmar os fãs do rock. E até revitalizar uma cena: a Tropicália Discos, no Centro do Rio, até então somente uma loja de discos, deu um upgrade em suas ambições e agora se lança como selo musical. A estreia? Justamente com o trabalho de resgate e reembalagem para viagem dos cinco compactos (com duas músicas cada) gravados por aquela remota banda fluminense entre 1969 e 1970, e que ficaram perdidos durante meio século.

Pausa para um flashback de uma história inacreditável: amante do rock no final dos anos 1960, o professor de inglês Winston Ramos de Almeida tinha 18 anos quando resolveu se tornar um dos poucos brasileiros a cruzar o continente e ir até à cidadezinha de Bethel, nos Estados Unidos, à fazenda de Max Yasgur, para ver seus ídolos Crosby, Stills, Nash & Young tocarem no lendário Woodstock Festival. Ao voltar, criou uma escola de inglês e resolveu inventar um novo estratagema didático: montou uma banda de rock e gravou, num estúdio no centro do Rio (Philotsom, na Cinelândia), alguns compactos com o resultado das invenções musicais do conjunto, pensando em ter aquilo como um material de apoio didático para melhorar a dicção dos alunos. Batizou a “banda” como I.W. Company (Instituto Winston Company, mesmo nome da escola de inglês). Acontece que a banda era excelente, o descompromisso gerou um clima de jam libertária, o som foi nutrido por um punhado de boas influências e a circulação de seus disquinhos nas décadas seguintes atiçou a curiosidade dos colecionadores – em 2005, um dos sortudos que adquiriram um exemplar foi justamente Bruno Alonso, um dos donos da Tropicália Discos.

Corta para os anos 2010. Após a morte de um irmão que colecionava discos de vinil, Winston resolveu liquidar o acervo que tinha herdado e se dirigiu à loja… Tropicália Discos, na Praça Olavo Bilac, centro do Rio. O pessoal da loja notou que, no meio daquele lote de vinis, havia um compacto igual ao de Bruno Alonso, e que carregava aquele mesmo nome, Winston, na contracapa, e perguntou ao rapaz se o conhecia, porque buscavam justamente informações sobre aquele disquinho que já estava ali havia uma década. “Sou eu. Winston sou eu e essa era a minha banda”, afirmou o vendedor. Foi aí que começou a vir à tona a história toda, assim como seus protagonistas: além de Winston (voz, violão, piano), ressurgiram o compositor e vocalista Ruy Buarque (amigo de Winston desde o ginásio, no Liceu Nilo Peçanha); o guitarrista, baixista e também vocalista Liszt Ayala; o baterista Claudio Wilson; e o percussionista Manoel Ramos.

Tudo isso para chegarmos hoje no CD I.W. Company, que a Tropicália Discos está lançando repaginado, remasterizado das tapes originais (segundo os produtores), e que o rapaz dos Correios desembarcou aqui. O selo estuda também a possibilidade de lançar um disco de vinil com as 14 canções recuperadas no final deste ano. São as dez originais, mais duas inéditas e duas acústicas (gravadas em 2016 na própria loja). Elas não mostram um grupo de assombrosa originalidade, mas de grande competência sonora e com aquele “terroir” do folk rock e do som psicodélico de uma época que preserva notáveis pulsão e vibração.

Há muitas influências perceptíveis no som. O compositor Ruy Buarque entrega a sonoridade por trás de “Let the Sunshine In”, que é “fortemente inspirada” numa viagem que ele e Winston fizeram a Nova York, quando viram por acaso o musical Hair na Broadway. Mas há outras menos evidentes, dos Mutantes brasileiros ao Pink Floyd de Syd Barrett. O cultor daquele som quase pesado do final da década de 1960 vai chapar com a primeira faixa, “Say It Loud”, com aqueles vocais mais estridentes que gestariam o Led Zeppelin, engolfados por uma guitarra acelerada. Vai rever insights dos Mutantes na ironia de “Poor Bad Loser”. Vai reencontrar uma garrafa lacrada de soft rock vintage em “You Wanna Be Free”, mais bluesy. Vai ter a impressão de estar num show do Vanguart em “I’ll Realize”, com seu country de festa junina; vai voltar a ter delírios Mutantes ao som do coro e da farra de “He’s Never Found”; tomará um chá com Syd Barrett em “I Can’t See My Way Clear”.

O clímax do disco é “My Life Is Changing”, rock’n’roll totalmente desgarrado do seu tempo, com ênfase na velha guitarra (a entrevista do guitarrista, Lizst, no documentário, sugere que ele nem lembra do que fez). “She’s a Lady” providencia um “ticket to ride” para sensações acesas da Swingin’ London.

I.W. Company não é, absolutamente, uma experiência única. Há outras bandas perdidas que estiveram isoladas em sua bolha sonora nos anos 1960 e só foram redescobertas agora, como o grupo capixaba Os Mamíferos. Mas sua pequena aventura mostra que a fagulha do rock ainda rende uns lindos clarões.

I.W. Company. Da banda I.W. Company. Tropicália Discos, 2021.

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