Em audiência pública extraordinária no início da tarde dessa segunda-feira, 12, parlamentares, governo, cineastas, produtores e servidores debateram a situação da Cinemateca Brasileira, a maior instituição dedicada à preservação do audiovisual da América do Sul, na Vila Mariana, em São Paulo.
O setor audiovisual defendeu maciçamente a reabertura imediata da Cinemateca, que está sob a tutela do governo federal desde agosto do ano passado, quando foram demitidos todos os 62 técnicos e servidores da instituição Desde junho de 2020, seu acervo (cerca de 240 mil rolos de filme, 41 mil títulos diferentes, um milhão de itens) encontra-se fechado à pesquisa, consulta e, o mais grave, à preservação adequada.
O cineasta Roberto Gervitz, que acompanha a situação de perto desde o início e tem negociado saídas para o impasse, lamentou a falta de cumprimento do compromisso estabelecido publicamente pelo atual Secretário Especial de Cultura, Mario Frias. O secretário tinha se comprometido a passar a gestão da Cinemateca, excepcionalmente, para a Sociedade Amigos da Cinemateca iniciar o processo de transição para um novo modelo de gestão e reabrir o acervo. Isso deveria ter acontecido em 12 de janeiro, segundo a promessa que não se concretizou – já se passaram três meses desde então e não há aceno nesse sentido.
O representante do governo, Hélio Ferraz, informou que há um edital pronto a ser lançado pelo Estado brasileiro para selecionar uma nova organização social que poderia gerir a Cinemateca, mas não deu informações sobre quando isso se daria e qual a natureza desse contrato.
Em sua primeira fala como presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca Brasileira (SAC), Carlos Augusto Calil (que já foi presidente da Embrafilme, da própria Cinemateca e é ex-secretário de Cultura de São Paulo), foi contundente. “A Cinemateca está em coma, respirando por aparelhos”, afirmou. Esses “aparelhos” seriam os contratos temporários que o governo tem firmado para garantir vigilância, manutenção de força, água e luz (fundamentais para a umidificação do ambiente), jardinagem e outros serviços.
Entretanto, o maior tesouro da instituição segue em grave perigo, salientou Calil: seu acervo único. Ele lembrou que há ali os filmes das missões folclóricas de Mário de Andrade, de Claude-Lévi Strauss, filmes pioneiros de Humberto Mauro e Glauber, entre milhares de outros. Calil defendeu o retorno do status da Cinemateca ao campo patrimonial, porque entende se tratar de um órgão de preservação, um museu, condição que foi negligenciada quando se passou sua gestão a uma OS (a Fundação Roquette Pinto), “irresponsabilidade” que não pode se repetir.
Calil questionou inclusive o contrato de 3 meses que a Sociedade Amigos da Cinemateca ganharia para fazer o processo de transição na Vila Mariana. “Mas e o desenho do futuro?”, perguntou. “Não creio que uma nova OS seja a solução”, afirmou, para completar que o local precisa recompor o seu “tecido institucional” e sugeriu uma governança compartilhada com o poder público. Terminou lembrando frase do fundador da Cinemateca, o notável crítico Paulo Emílio Salles Gomes: “É provável que o governo faça o que pode. Nesse caso, é torcer para que logo possa fazer o que deve”. Nesse ponto, foi aplaudido pelo cineasta Cacá Diegues.
A Cinemateca Brasileira está completando 75 anos de existência. O diretor Cacá Diegues, presente à audiência pública, defendeu o diálogo e afirmou que “o rompimento e o isolamento não nos serve para nada”. Diegues sabe do que está falando: a situação de criminalização do audiovisual brasileiro não poupa ninguém. Ele mesmo está tendo dificuldades para que a Agência Nacional de Cinema reveja sua prestação de contas do filme O Grande Circo Místico, reprovada e em sua quarta análise de reconsideração na agência (que tem usado essa estratégica como forma de estrangular a capacidade produtiva do cinema, recusando contas de até 20 anos atrás).
O representante do governo, Hélio Ferraz, limitou-se a fazer uma cronologia das intervenções da secretaria na Cinemateca desde sua retomada, com o reforço da Polícia Federal, em agosto do ano passado. Ele justificou a presença da polícia como precaução de segurança. O cineasta Roberto Gervitz disse que a Cinemateca Brasileira entrou na “espiral do Inferno” em 2013, e ainda não conseguiu sair dela.
Por que não constituem uma “fundação pública de direito privado”? No Brasil é possível ter fundação pública de direito público ou diteiro privado.
Ela poderia contratar via CLT, por exemplo, mais flexível do que submeter a Cinemateca a ser um departamento da Secretaria do Audiovisual ou uma OS com contrato de gestão com a Secretaria. A fundação pública de direito privado também é mais flexível do que uma autarquia.
Outra opção é uma espécie de serviço social autônomo, estruturado como uma parceria público-privada e recebendo um % direto da Condecine, além de outras receitas.
É possível criar também uma espécie de fundo para que agentes privados possam patrocinar e receber abatimento do IR e de tributos estaduais, participando também do Conselho Curador. Pode se ter um arranjo interfederativo e parceria público-privada.
O importante é construir algo mais estável e duradouro.