A Agência Nacional de Cinema (Ancine) reintegrou aos serviços na instituição, nesta terça, 19, dois ex-servidores que haviam sido afastados pela Justiça: Magno Maranhão e Juliano Vianna. Eles tiveram um habeas corpus julgado pelo TRF em ação que respondiam por suspeita de denunciação caluniosa e imputação de falso crime, e a Justiça decidiu pelo trancamento da ação penal no caso – o acórdão foi publicado no último dia 11 de janeiro.
A Ancine apenas atendeu à decisão judicial – a juíza Marcela Ascer Rossi, da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, no dia seguinte à publicação do acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), revogou a ordem de afastamento e comunicou as partes. Os servidores reintegrados respondem ainda a dois processos, um deles por improbidade administrativa, solidariamente com Christian de Castro, Sérgio Sá Leitão e outros ex-integrantes daquela gestão.
“Se os fatos veiculados em denúncia anônima atribuída ao paciente dão conta de possíveis irregularidades em procedimentos administrativos da Agencia Nacional de Cinema (Ancine), irregularidades essas que restaram confirmadas em auditoria interna e aptas à subsequente Tomada de Contas pelo Tribunal de Contas da União, carece de comprovação a elementar do delito de denunciação caluniosa, consubstanciada na imputação falsa de fato previsto como crime”, diz o texto do acórdão do TRF2, assinado pelo desembargador André Fontes. A decisão é extensiva aos outros réus nesse processo, como Marcos Tavolari e Ricardo Pecorari. Três desembargadores votaram, o relator (que recomendou a condenação) foi voto vencido.
Magno Maranhão e Juliano Vianna já tinham sido reintegrados antes, mas afastados novamente. Ambos reassumem como especialistas em regulação da atividade cinematográfica e audiovisual.
A matéria contém alguns equívocos no texto original.
Foram duas decisões: 1. ordem judicial em dois agravos de instrumento na ação de improbidade ordenando que a ANCINE reintegre os servidores; 2. decisão em Habeas Corpus que TRANCOU a ação penal, que era idêntica à de improbidade, considerando a inicial do MPF inepta, as condutas atípicas (não houve crime algum) e, assim, ausente qualquer justa causa.
Com o trancamento da ação penal, NENHUM servidor responde mais pelos fatos imputados. A ação de improbidade “espelho” ainda está na fase de admissibilidade e pode ser extinta sem sequer chegar a fase de instrução, por força do art. 7º da lei n.º 13.869/2019: “Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal”.
É importante destacar que, no curso do processo penal, foram concedidos quatro mandados de segurança, todos por UNANIMIDADE, que já sinalizavam não apenas a ausência de crimes como a ausência de atos ímprobos.
No caso do Habeas Corpus na ação penal, não houve voto de nenhum desembargador pretendendo condenação. Apenas um dos três desembargadores entende que o habeas corpus não era o melhor instrumento e que a análise das provas deveria ser realizada no curso do processo, para que o servidor pudesse maior carga probatória. Os demais discordaram desta tese e entendem que as provas produzidas FULMINAM o processo e foram suficientes. Além de NÃO EXISTIR calúnia, injúria, difamação, denunciação caluniosa ou qualquer outro crime nos fatos narrados, o desembargador responsável pelo voto vencedor ressalta que as irregularidades apresentadas como contra-prova pelo servidor DEVEM SER investigadas, ou seja, além de inocentes os servidores possuem razão em suas alegações, ao destacar a necessidade de se apurar possíveis irregularidades cometidas pelas gestões anteriores da ANCINE.
Para entender o caso, vale a pena ler a matéria do Valor Econômico de 22/01/2019:
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/01/22/ancine-aponta-prejuizos-em-fundo-do-audiovisual-de-r-350-milhoes.ghtml
Segue o inteiro teor do acordão do HC e o voto do desembargador:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. IMPUTAÇÃO DE CRIMES CONTRA A HONRA A SERVIDOR PÚBLICO. DEVER DE COMUNICAÇÃO DE FATOS IRREGULARES NO ÂMBITO DA REPARTIÇÃO PÚBLICA (ART. 116, VI EX II DA LEI 8.112-90). PREVALÊNCIA DA RES PUBLICA. DENÚNCIA ANÔNIMA ATRIBUÍDA AO PACIENTE. FATOS CONFIRMADOS EM AUDITORIA INTERNA.VIABILIDADE FORMAL PARA TOMADA DE CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR. IMPUTAÇÃO FALSA DE FATO DEFINIDO COMO CRIME. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ART. 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
I – É dever do servidor público comunicar fatos irregulares ocorridos no âmbito da repartição pública em que desempenha as suas funções, a teor do disposto no art. 127, incisos VI e XII da Lei 8.112-90, ante a prevalência da res publica. II – Se os fatos veiculados em denúncia anônima atribuída ao paciente dão conta de possíveis irregularidades em procedimentos administrativos da Agência Nacional de Cinema – ANCINE; irregularidades essas que restaram confirmadas em auditoria interna e aptas à subsequente tomada de contas pelo Tribunal de Contas da União, carece de comprovação a elementar do delito de denunciação caluniosa, consubstanciada na imputação falsa de fato previsto como crime. III – Origem comum das apurações para os demais crimes contra a honra veiculados na denúncia, inclusive no tocante aos corréus, a justificar a extensão dos efeitos desta decisão, na forma do art. 580 do Código de Processo Penal. IV – Ordem deferida.
Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Membros da 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, deferir a ordem, nos termos do voto do Desembargador André Fontes, que fica fazendo parte integrante deste julgado. Vencido o Relator. Votou ainda a Desembargadora Simone Schreiber.
(…)
Trechos do voto vencedor
(…)
Conforme esposado na petição inicial, os fatos gravitam em torno da possível prática de delitos de denunciação caluniosa e demais crimes contra a honra, por parte de servidores da Agência Nacional de Cinema – ANCINE, que denunciaram perante a Corregedoria da agência reguladora supostas irregularidades perpetradas por um de seus diretores, em documento anônimo. Ditas denúncias, como descrito, foram levadas a efeito com a finalidade de denegrir a imagem dos supostos envolvidos nas irregularidades e foram embasadas concretamente no feito originário apenas por meio de prova testemunhal das vítimas: Debora Ivanov e Alex Braga.
Também é possível extrair dos autos, relativamente à dinâmica dos fatos, que tal denúncia foi objeto de apuração por meio de autoria realizada por servidor da Controladoria Geral da União lotado na ANCINE, cujos trechos apontados na sustentação oram e que foram apresentados na instância a quo por ocasião das respectivas respostas à acusação, dão conta de que dito documento anônimo (i) contém fatos que caracterizaram, segundo a apuração interna, irregularidade de procedimentos para o direcionamento de incentivos fiscais (art. 39,X da Medida Provisória 2.228) à produtoras e a ineficácia dos métodos de controle interno;(ii) indiciam possível evasão fiscal de aproximadamente R$ 157.000.000,00 (cento e cinquenta e sete milhões de reais). Sendo certo que o relatório confeccionado ao fim, encaminhado ao Tribunal de Contas da União, cumpriu com os requisitos de admissibilidade previstos no art. 235 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União.
Feita essa necessária introdução, é ver que para o tipo penal da denunciação caluniosa traz como circunstância elementar a imputação falsa, ou a sua propalação e divulgação, de fato definido em lei como crime. Ou seja, para o caso concreto, que as supostas irregularidades referidas no documento anônimo atribuído ao paciente e demais corréus, eram sabidamente falsas; o que não se verifica pelas próprias conclusões a que se chegou no âmbito interno da agência reguladora.
Importante ressaltar, porque oportuno, a preocupação que se deve ter com a extensão da ideia de denunciação caluniosa no ambiente público, notadamente porque não se deve perder de vista que servidor público tem o dever de comunicar as irregularidades eventualmente observadas numa repartição pública (art. 127, VI e XII da Lei 8.112-90),fazendo prevalecer a res publica. Demais disso, a ideia de prevenção geral do Direito Penal, é a de que ela diga respeito a algo que seja realmente impedir a prática e a realização dos tipos penais variados, donde exsurge os deveres de comunicação de irregularidades acima mencionados, independentemente do real resultado das apurações, em prol da honra do próprio servidor público.
Dessa feita, firmo a minha convicção no juízo próprio do “writ” é que o fato ilícito imputado ao paciente, em verdade, é lícito, não subsumindo a nenhuma norma penal incriminadora. Sob outra ótica, cumpre rememorar que dolo é intenção e há muito foi desmembrado da consciência da ilicitude e o órgão acusatório, a míngua de outros elementos de prova para além do depoimento das vítimas, não se eximiu de caracterizar minimamente a intenção do paciente de agredir a moral de outrem; senão a de cumprir o dever funcional de comunicar irregularidade. Portanto, diante da atipicidade do fato, naturalmente se deve concluir que a inicial é inepta. Contudo, duas ressalvas são essenciais: primeiro, que essa atipicidade significa um julgamento de forma a ser considerado lá na área administrativa; segundo, que ela não significa que a decisão que pudesse vir eventualmente, que fosse ela a ser acolhida, não servisse de base para inibir a investigação dos fatos que deram origem a este processo, ou seja, que estaria de fato havendo desvio de recursos públicos na ANCINE.
Por último, deve ser observado que o fato que deu origem a todas as imputações é o mesmo, motivo pelo qual o mesmo efeito dessa decisão deverá ser aproveitado aos demais corréus na ação penal originária, relativamente aos crimes contra a honra imputados, na forma do art. 580 do Código de Processo Penal. Nesses termos e fundamentos, e com as ressalvas já destacadas, divirjo do Relator e voto no sentido de DEFERIR A ORDEM.
Pela postagem do Sr. Antônio Guedes, o trecho a seguir do voto do desembargador é muito forte! Isso tem que ser seriamente apurado pelos órgãos de controle! É um escárnio…
“Também é possível extrair dos autos, relativamente à dinâmica dos fatos, que tal denúncia foi objeto de apuração por meio de autoria realizada por servidor da Controladoria Geral da União lotado na ANCINE, cujos trechos apontados na sustentação oram e que foram apresentados na instância a quo por ocasião das respectivas respostas à acusação, dão conta de que dito documento anônimo (i) contém fatos que caracterizaram, segundo a apuração interna, irregularidade de procedimentos para o direcionamento de incentivos fiscais (art. 39,X da Medida Provisória 2.228) à produtoras e a ineficácia dos métodos de controle interno;(ii) indiciam possível evasão fiscal de aproximadamente R$ 157.000.000,00 (cento e cinquenta e sete milhões de reais). Sendo certo que o relatório confeccionado ao fim, encaminhado ao Tribunal de Contas da União, cumpriu com os requisitos de admissibilidade previstos no art. 235 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União”.
Não há nenhum equívoco na reportagem. Primeiramente, a fundamentação da decisão que concedeu a segurança aos réus na ação penal, não adentrou no mérito da procedência ou não, apenas se limitou a analisar que não havia relação com os crimes imputados ao exercício dos cargos, pois, teriam os praticado em ocasião em que não ocupavam os cargos outrora afastados na Agência.
A decisão de Habeas-Corpus trancou apenas os crimes de denunciação caluniosa e de calúnia, pois, consideraram o fato de denunciar inerente ao exercício do cargo, em nenhum momento adentrou no mérito de haver vazamento de informação sigilosa a pessoa estranha à Agência na ocasião, o Sr. Ricardo Vieira Martins, sócio criminoso do Sr. Christian de Castro, também conhecido como o homem da mala. O mesmo que foi flagrado cobrando “cascalho” de produtora em conversa de whatsapp.
Sobre a decisão de agravo de instrumento que lamentavelmente reintegrou os senhores Magno Maranhão e Juliano Cesar Alves Vianna, limitou-se a analisar que o retorno não prejudicaria a instrução do processo, ainda se permaneceu o bloqueio dos bens, por haver indício de materialidade do enriquecimento ilícito.