Paulo Braga e Arrigo Barnabé: respeito, amizade e música

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Paulo Braga no Estúdio Monteverdi - foto: Heloisa Bortz/ divulgação
Paulo Braga no Estúdio Monteverdi - foto: Heloisa Bortz/ divulgação
"Chiaroscuro" - capa/ reprodução
“Chiaroscuro” – capa/ reprodução

O veterano pianista Paulo Braga acaba de lançar seu segundo álbum de piano solo: “Chiaroscuro” é dedicado às valsas de Arrigo Barnabé, amigo e colega de instrumento com quem toca há quase 40 anos e já experimentou várias formações.

As nove faixas do álbum passeiam por cerca de 50 anos de composições de Arrigo, que as assina sozinho ou com parceiros como Eduardo Gudin, Roberto Riberti, Nelson Motta, Luiz Tatit e Hermelino Neder.

O trabalho traça um interessante panorama (mesmo em se tratando de um recorte muito específico: as valsas) da sempre instigante obra de Arrigo Barnabé, demonstrando o respeito de Paulo Braga por ela: ao mesmo tempo em que se percebe a liberdade de improviso, a opção pelo registro de piano solo apresenta o repertório mais próximo de como o mesmo foi criado.

Algumas das valsas foram compostas originalmente para trilhas de cinema. Algumas faixas com letras ganham apenas o registro instrumental, permitindo ao ouvinte criar suas próprias imagens, seu próprio filme na cabeça.

Lançamento do selo ADS, “Chiaroscuro” está disponível para audição (gratuita) e download (pago) na plataforma holandesa NativeDSD, que permite ao ouvinte/internauta interessado baixar, além das músicas, o encarte do álbum, com informações para as quais as plataformas de streaming não dão a mínima: além da ficha técnica, há também comentários do próprio Arrigo Barnabé sobre a criação das composições.

Sobre “Chiaroscuro”, Paulo Braga conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.

O pianista Paulo Braga - foto: Heloisa Bortz/ divulgação
O pianista Paulo Braga – foto: Heloisa Bortz/ divulgação

OITO PERGUNTAS PARA PAULO BRAGA

ZEMA RIBEIRO: Como se deu a escolha pelas valsas de Arrigo Barnabé para este teu segundo trabalho solo e, uma vez escolhido este recorte, como se deu a seleção de repertório?
PAULO BRAGA: Para este meu segundo trabalho solo, para piano, escolhi explorar um repertório pouco divulgado do Arrigo Barnabé. Toco com o Arrigo desde 1988 e, ao longo desse tempo, em praticamente todos os shows ele inclui algumas de suas valsas — que sempre me chamaram a atenção. Essas valsas têm uma assinatura muito própria: um lirismo particular, um direcionamento melódico e harmônico que só o Arrigo tem. Não é o universo mais “rock and roll” pelo qual muita gente associa o trabalho dele, mas um lado mais lírico, íntimo e sofisticado. Sempre gostei profundamente desse repertório e, de certa forma, ele acabou me influenciando. A primeira composição que fiz na vida foi justamente uma valsa — e o Arrigo tem grande responsabilidade por esse caminho que segui musicalmente. A escolha das valsas surgiu dessa afinidade que sempre senti por esse repertório. Cada uma delas carrega uma identidade muito particular e, ao mesmo tempo, todas conversam entre si dentro desse universo lírico do Arrigo. O desafio de criar versões para piano solo foi justamente o que me motivou a mergulhar nessas músicas. Transformá-las para esse formato me inspirou e orientou a seleção de todo o repertório do álbum.

ZR: As nove faixas têm ares cinematográficos, algumas delas compostas originalmente para o cinema. A opção de descarná-las das letras se deu também com a intenção de que cada ouvinte crie suas próprias imagens?
PB: O Arrigo é um compositor extraordinário. E não só pelo domínio musical em várias frentes — óperas, missas, música sinfônica, canções, e até o universo mais rock’n’roll —, mas pela maneira como ele cria paisagens sonoras. Existe sempre uma dimensão visual e narrativa na música dele. Mesmo nas obras mais “rock”, há algo que remete aos quadrinhos, ao cinema, à dramaturgia. Ele pensa arte de maneira ampla: como linguagem total. Quando tocamos o repertório instrumental, sem as letras, algo especial acontece. A música do Arrigo continua carregada dessa força narrativa, mas agora é o ouvinte quem escolhe o caminho. Sem a palavra conduzindo o sentido, cada pessoa pode criar sua própria paisagem interna, imaginar um cenário, uma história. Quando existe uma letra, ela direciona — não de forma definitiva, mas conduz o olhar. Já sem a letra, a música abre possibilidades. É como se cada valsa oferecesse um roteiro em branco: o público pode projetar ali as suas imagens, suas lembranças, seus afetos.

ZR: Qual o tamanho da responsabilidade de um registro como esse, de obras de um compositor revolucionário com quem você colabora há quase 40 anos?
PB: A responsabilidade e a emoção envolvidas neste trabalho são imensas. Eu tenho um respeito profundo pela obra do Arrigo Barnabé. A amizade musical que construímos ao longo desses anos e a afinidade que desenvolvi com o universo dele são fundamentais na minha trajetória. Por isso, interpretar essas valsas não é apenas um projeto artístico — é um retrato de uma longa fase da minha vida. Entrar no estúdio carregava essa dimensão. Não exatamente como um peso, mas como um retrospecto de muitas histórias compartilhadas. Cada vez que eu tocava uma música — por exemplo, “Cidade Oculta” — vinham à memória todas as “Cidades Ocultas” desses quase quarenta anos tocando com o Arrigo. É um lastro enorme, feito de convivência, de palco, de criação e de aprendizado. A emoção foi tão grande quanto a responsabilidade. Admirar profundamente um artista e, ao mesmo tempo, ter a chance de reinterpretar sua obra em piano solo é algo raro. Esse álbum nasce desse encontro: respeito, amizade e música.

ZR: O repertório de “Chiaroscuro” atravessa um período de cerca de 50 anos e a gente percebe que a qualidade da obra de Arrigo não tem oscilações. Como você avalia este aspecto de sua obra?
PB: A qualidade da obra do Arrigo é realmente inquestionável. Ao longo do tempo em que acompanho sua produção, sempre me surpreendo e me inspiro. Ele é um artista que está constantemente ampliando seus horizontes, explorando novas possibilidades. Estar próximo a isso e testemunhar essas façanhas do Arrigo Barnabé é, sem dúvida, algo fantástico.

ZR: Com ou sem Arrigo você já experimentou diversas formações em palcos e discos. A opção por piano solo para registrar suas valsas teve por objetivo mostrar as canções mais próximas de como foram criadas? Nesse sentido, como fica o aspecto da improvisação, também muito presente neste teu novo álbum?
PB: Eu me considero mais um improvisador do que um compositor. Adoro compor e tenho algumas composições próprias, mas me sinto mais à vontade improvisando. Claro que a improvisação é, de certa forma, uma composição instantânea. No piano solo, essa liberdade se amplifica. O intérprete pode explorar ideias e texturas sem as “burocracias” de um arranjo pré-definido ou de funções atribuídas a outros instrumentos, mesmo em formações improvisadas. É uma conversa consigo mesmo: você ouve suas ideias e as transforma na hora. É um exercício extremamente divertido e estimulante. Esse é o segundo trabalho de piano solo que faço na carreira, e sempre procuro deixar espaços para improvisação. É nesse espaço que sinto que consigo expressar minha identidade artística de maneira mais direta.

ZR: Arrigo já ouviu esta homenagem? O que ele achou?
PB: Tivemos a oportunidade de ouvir o trabalho na sala de mixagem do Gustavo [Cândido, mixagem, masterização, produção musical e técnico de gravação], que é sensacional. A qualidade do áudio é realmente diferenciada: é como se você estivesse dentro de uma escultura sonora. Além disso, foi emocionante ver a reação do Arrigo ao ouvir essa homenagem ao seu trabalho. Ele realmente se emocionou, e acredito que tenha gostado muito do resultado.

ZR: O disco estará disponível para download em uma plataforma holandesa. O que significa isso para você? E em tempo: o álbum também será disponibilizado em outras plataformas? Terá edição física?
PB: A versão para download me interessa muito, mesmo nos dias de hoje. Nesse formato, o ouvinte tem acesso a detalhes que o streaming não oferece: informações técnicas de gravação, o sistema utilizado, o estúdio, a data, e todas as pessoas envolvidas no processo — desde o afinador do piano até a equipe de produção. Além disso, o álbum traz uma arte gráfica do Roger Barnabé como capa e um encarte completo, que remete à experiência dos LPs — quando tínhamos acesso a textos, imagens, informações e contexto sobre o universo daquele trabalho. No arquivo que acompanha o download, há uma análise de cada composição feita pelo próprio Arrigo: onde nasceu cada música, como foi composta, e como ele enxerga a própria obra. Quando falamos “álbum”, estamos falando de um conjunto de coisas — não é só o áudio. O áudio existe porque existe todo esse contexto criativo por trás. Esse formato aproxima o ouvinte da “fotografia” daquele momento: artistas, técnicos, histórias, inspirações. Claro que futuramente o projeto deve estar nas plataformas de streaming, mas com um caráter mais de divulgação. A qualidade sonora do download é muito superior. E, quem sabe mais adiante, talvez até em uma mídia física. A experiência do download é uma forma de ouvir esse trabalho de maneira mais profunda — com alta qualidade de som e com informações que iluminam o que se está ouvindo.

ZR: A escolha de uma obra de Roger Barnabé para a capa completa certo ambiente familiar da obra. Foi proposital, para você se sentir ainda mais em casa?
PB: Quando eu digo que me sinto em casa, é literalmente isso. Minha relação de amizade e trabalho com o Arrigo não começou agora. No meu último álbum antes deste — “Farol”, um trio com Edu Ribeiro [bateria] e Bruno Migotto [contrabaixo], só com composições minhas — a capa foi uma obra do Arrigo. Ele fez o desenho especialmente para o álbum, e aquilo já mostrava uma faceta dele que muita gente desconhece: o Arrigo artista visual. Neste novo trabalho de piano solo, quis continuar nessa linha. A estética do álbum é preto e branco — como o piano — e comecei a pensar novamente na ideia da capa. Foi então que me lembrei de uma série de obras do Roger Barnabé, filho do Arrigo, um artista plástico incrível. Eu tinha conhecido o trabalho dele quando ele fez a capa do álbum “Gigante Negão” [de Arrigo Barnabé, lançado em 1998]. Fiquei impressionado com a força gráfica daqueles desenhos. Conversando com o Arrigo, pensamos: “e se o Roger topasse participar deste projeto?”. Convidei o Roger, ele aceitou, e para minha alegria ficou muito feliz com o resultado final — tanto da arte quanto do encarte, que integra a obra dele de maneira muito orgânica com o álbum. Estou realmente muito feliz com o resultado de toda essa história.

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