O endereço (atual) da Vanguarda Paulista

0
50
Marcelo Segreto e Paula Mirhan, da Filarmônica de Pasárgada, no local em que funcionou o Teatro Lira Paulistana - fotos: divulgação
Marcelo Segreto e Paula Mirhan, da Filarmônica de Pasárgada, no local em que funcionou o Teatro Lira Paulistana - fotos: divulgação
"Rua Teodoro Sampaio, 1091" - capa/ reprodução
“Rua Teodoro Sampaio, 1091” – capa/ reprodução

“Rua Teodoro Sampaio, 1091” era o endereço do mítico Teatro Lira Paulistana, que acabou virando um símbolo da Vanguarda Paulista e, de resto, de toda uma cena underground de São Paulo.

O endereço intitula o novo EP da Filarmônica de Pasárgada, em que o grupo, herdeiro e atualizador da sonoridade do movimento, recria quatro clássicos vanguardistas, com a participação especial de Ná Ozzetti, Suzana Salles, Wandi Doratiotto e Arrigo Barnabé.

Ná Ozzetti comparece a “Ladeira da memória” (Zécarlos Ribeiro), sucesso do Grupo Rumo, integrado pela convidada e pelo compositor; Wandi Doratiotto participa de sua “O trabalho”, do Premeditando o Breque (ou simplesmente Premê); Suzana Salles, que cantou nas bandas Isca de Polícia, que acompanhou Itamar Assumpção (1949-2003), e Sabor de Veneno, que acompanhou Arrigo Barnabé, canta em “Fim de festa” (Itamar Assumpção); e o criador de “Clara Crocodilo” fecha as participações especiais em sua “Instante”.

Formada por André Teles, Fernando Henna, Ivan Ferreira, Leandro Lui, Marcelo Segreto, Migue Antar, Paula Mirhan e Renata Garcia, a Filarmônica de Pasárgada celebra a Vanguarda Paulista e o Teatro Lira Paulistana amanhã (5), no Sesc Pinheiro: às 20h acontece o show de lançamento de “Rua Teodoro Sampaio, 1091”, com a participação de todos os convidados do EP.

O cantor, compositor e arranjador Marcelo Segreto falou com exclusividade a FAROFAFÁ.

CINCO PERGUNTAS PARA MARCELO SEGRETO

ZEMA RIBEIRO: Você foi aluno de Luiz Tatit, integrante do Grupo Rumo, um dos expoentes da chamada Vanguarda Paulista. O quanto isso foi determinante para que a Filarmônica de Pasárgada dedicasse um EP ao repertório do movimento?
MARCELO SEGRETO: Esse projeto do EP nasceu quando a gente fez o disco “PSSP” (2022), da Filarmônica de Pasárgada, que é um disco dedicado à cidade de São Paulo. A gente foi fazer o show de lançamento, e a Ná Ozzetti foi participar, e eu fiz um arranjo de “Ladeira da Memória”, do Rumo, para a Ná cantar. Eu curti muito esse arranjo, a Ná adorou também, todo mundo da banda curtiu, e eu fiquei pensando, com essa ideia de a gente gravar, pensei nessa ideia de a gente fazer um projeto maior, um EP, com mais canções, de outros artistas da Vanguarda Paulista, ele nasceu assim. Mas de alguma forma, estar próximo, assim, do Tatit, inclusive agora eu sou de novo aluno, porque eu estou fazendo um novo pós-doc com o Tatit, para escrever um livro sobre o curso de composição de canção que eu estou desenvolvendo, e aí com certeza a proximidade com o Tatit me estimula a conhecer cada vez mais a obra dele e do Rumo e assim mergulhar mais no pensamento dele, na obra dele, então, com certeza me estimulou também a pesquisar mais, a curtir mais e a querer fazer esse projeto do EP.

ZR: A opção por um EP foi um exercício de concisão? Repertório não faltaria para um álbum. Em tempo: como se deu a escolha do repertório e das participações especiais?
MS: Foi um exercício de concisão muito grande mesmo, porque o Lira Paulistana foi palco de muitos artistas, e dentro da Vanguarda Paulista, de muitos artistas também, e esses artistas têm uma obra enorme, que a gente ama muito. Então foi difícil mesmo escolher o repertório. Mas a escolha veio, uma coisa de gosto pessoal das canções, também, uma coisa afetiva, mas também de pensar se aquela canção daria um arranjo interessante para a formação da Filarmônica. E a ideia foi fazer arranjos diferentes para essas canções, alguns bem distantes do original, como “Ladeira da memória”, outros mais próximos, como “Instante”, do Arrigo, mas que há diferenças, claro, na instrumentação, orquestração, enfim. Então essa foi a ideia, e as participações especiais vieram, eu pensei que seria legal ter a participação especial de um integrante de cada grupo, ou artista, no caso do Arrigo. O Wandi, como foi a canção dele que a gente escolheu, a gente o convidou para participar. A Suzana cantou muito com o Itamar, na banda Isca de Polícia, e a Ná cantando “Ladeira da memória”.

ZR: A capa traz uma quadra irônica de Oswald de Andrade [“A felicidade do homem/ é uma felicidade guerreira/ Viva a rapaziada!/ O gênio é uma grande besteira”], na caligrafia da rapaziada que está com vocês no álbum, sobre uma silhueta da metrópole. Como surgiu a ideia?
MS: Essa capa é uma homenagem ao Teatro Lira Paulistana, porque essa silhueta, esse skyline de São Paulo, ela era quase um logotipo do Teatro Lira Paulistana, e o Lira, num determinado período, no meio da década de 1980, eles faziam um mural nos lotes ao lado do teatro, eles  tinham um espaço nos muros do vizinho para fazer murais artísticos, então, Edith Derdyk, vários artistas fizerem esse mural, e sempre tinha que ter esses versos do Oswald de Andrade. Esses versos ficaram meio icônicos do Teatro Lira Paulistana, então eu achei interessante botar na capa, com essa silhueta, é uma capa bem simples, mas remete um pouco a esses pontos tão icônicos da linguagem visual do Lira. São três caligrafias que escreveram o mesmo texto do Oswald, são dos fundadores do Lira Paulistana que ainda estão vivos; eram cinco. São o Plínio [Chaves], o Wilson [Souto] e o Riba [de Castro; os outros dois são Chico Pardal e Fernando Alexandre].

ZR: 10 dias antes deste lançamento da Filarmônica de Pasárgada você também lançou álbum solo e há uma faixa dedicada ao maranhense Zeca Baleiro, o que me faz pensar em conexões: com Paulo Lepetit ele foi produtor de “Isso vai dar repercussão”, álbum póstumo que Itamar Assumpção dividiu com Naná Vasconcelos (1944-2016). Esse cruzamento de referências faz algum sentido? Que lugar Baleiro tem em tua formação e/ou memória afetiva?
MS: Não tem uma ligação direta com esse fato, de o Zeca ter produzido com o Paulinho Lepetit esse disco, ainda que uma das canções esteja no EP, “Fim de festa” foi gravado, saiu nesse disco com o Naná. Mas é um cruzamento que faz todo sentido, inclusive o Zeca tem muita relação com o pessoal da Vanguarda Paulista, com a Ná Ozzetti, já gravou com ele, ele gosta dessa geração. Ele chegou em São Paulo depois de ter terminado, de o Lira, o teatro ter encerrado os trabalhos. Mas o Zeca tem um lugar enorme na minha formação, porque o Zeca é o meu maior ídolo, digamos assim. Eu comecei a compor por causa dele. Quando eu tinha uns 14, 15 anos, eu comecei a tocar violão e cantar as canções dele, compor imitando ele, amo até hoje, acho que muita coisa que está na Filarmônica e também no meu solo vem do Zeca Baleiro, sabe, porque essa coisa de trabalhar com gêneros muito diferentes, de ter canções líricas, mas também canções mais contestatórias, tem uma coisa que eu gosto muito, e humor também, inclusive a questão das participações especiais, eu sempre curti muito nos discos do Zeca as participações especiais, os lugares para onde iam as canções, com pessoas diferentes chegando, artistas, e acho que veio um pouco essa minha vontade de fazer discos com participações, vem um pouco disso também. Então Zeca tem um lugar muito grande na minha formação.

ZR: O trabalho anterior da Filarmônica de Pasárgada é “Música infantil para crianças malcriadas“, de outubro do ano passado. O que você pode adiantar de novos projetos, solo e com o grupo?
MS: Então, a gente lançou esse disco infantil ano passado, e agora eu já terminei de compor as canções do próximo disco da Filarmônica, que é um disco que vai se chamar “Algorritmos 2.0”, que é um disco que é como se fosse uma continuação do “Algorritmos”, que é o disco de 2016 da Filarmônica, será um disco sobre essa questão da internet, do mundo digital, com novas questões que surgiram desde então. Então tem esse trabalho, que eu estou fazendo arranjos, pretendemos gravar no final do ano, comecinho do ano que vem, para lançar já no meio do ano que vem. E do solo eu estou preparando o segundo volume do “Cinemúsicas” (2024), que é um EP dedicado, com canções inspiradas em filmes. Então estou com esses dois projetos, e já pensando em outros, que é legal já ir compondo os discos com um pouco de antecedência para dar tempo de gravar e lançar com mais regularidade.

*

Ouça “Rua Teodoro Sampaio, 1091”:

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome