Morre na Bahia o compositor de ‘Capim Guiné’, clássico de Raul Seixas

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Tá vendo tudo e fica aí parado

Com cara de veado que viu caxinguelê

Quem nunca ouviu esse verso? Em 1982, Raul Seixas passeava por uma praça da cidade de Piritiba, no pé da Chapada Diamantina, a 316 quilômetros de Salvador, quando escutou um som hipnotizante. Era uma banda local ensaiando para participar de um festival de música na cidade. A moda de viola o deixou magnetizado. Raul estava de férias, mas ligado em canções novas que pudessem fazê-lo retomar com força a carreira em uma nova gravadora, a Eldorado, após ter sido dispensado pela CBS um ano antes. O compositor da música na praça era o baiano Wilson Aragão, com quem Raul rapidamente se entendeu, e a canção estava a léguas de ser um exemplar de bucolismo rural – tinha sido feita como um protesto de Aragão contra o cerco político que seu pai, Diolino, um fazendeiro opositor da ditadura militar, sofreu com atos de grilagem consentida de terras e violência no campo.

“Com muita raiva fiz tudo aqui sozinho/Agora veja, meu compadre, a safadeza, começou a malvadeza, todo bicho vem pra cá”, cantava Aragão, denunciando o autoritarismo e a complacência das autoridades com os desmandos. Raul fez modificações na letra e no andamento da composição.

Com muita raça fiz tudo aqui sozinho
Nem um pé de passarinho veio a terra semeá
Agora veja, cumpadi, a safadeza
Começou a marvadeza, todo bicho vem prá cá

Raul também convenceu Aragão a nomear o local incerto de sua canção como “sítio no sertão de Piritiba”, mudança que dizia que ia deixar famosa a terra do compositor – e estava certíssimo. Raul ainda tomou algumas liberdades botânicas – inventou uma fruta, a guataíba, para melhorar a rima original, que era alicerçada na guabiraba.

Capim Guiné foi cantada por mais de 50 artistas depois do sucesso com Raul Seixas, e mudou a vida de Wilson Aragão. Até então, ele trabalhava primordialmente como encarregado dos setores de recursos humanos em grandes empresas. Aragão contou que, depois disso, mergulhou de cabeça nas lutas populares e pagou o preço de tornar-se um inconformado do sertão. Em 1986, lançou seu primeiro disco, Guerra de Facão.

Wilson Aragão, o bravo compositor de Capim Guiné (e outras centenas de canções, como Girassol e Tapiramutá) morreu neste sábado, 24, no Hospital Aristides Maltez, em Salvador, aos 75 anos. Ele tinha câncer no fígado. Deixou esposa e três filhos. Seu corpo seria velado neste domingo, 25, em Piritiba, a pequena e encantadora cidade que tornou famosa. O sepultamento será às 16 horas, no cemitério do município.

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