“Sob a passarela tem um grande litoral”: passado, presente e futuro em “Enseada Perdida”, de Thiago Amud

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"Enseada perdida" - capa/ reprodução
"Enseada perdida" - capa/ reprodução

Thiago Amud compôs “Bahia de Janeiro” (single já disponível nas plataformas de streaming) por sugestão do antropólogo Hermano Vianna, para “A Baleia”, obra audiovisual de Felipe M. Bragança e Marina Meliande. “O fato de partes significativas do Rio de Janeiro serem erguidas sobre uma baía aterrada me ocupou as ideias semanas a fio em Belo Horizonte”, revela o cantor e compositor.

A faixa abre Enseada Perdida (Rocinante, 2025), seu quinto álbum (faça a pré-save aqui), um amálgama de brasilidades, com as participações ilustres de Chico Buarque e Caetano Veloso – foi a partir da confirmação da presença deste que o álbum começou a tomar forma. Ele canta a “Cantiga de ninar o mar”, que fecha o disco, e Chico o frevo “Cidade possessa”.

Thiago Amud derruba fronteiras, reais ou imaginárias, geográficas ou sonoras – e mesmo geracionais: basta observarmos a ficha técnica, outra demonstração de diversidade, reunindo músicos de gerações distintas, primando pela qualidade da sonoridade do álbum. Thiago Amud (voz, violão, assobio, direção artística, direção musical e arranjos) se faz acompanhar por Alê Siqueira (melotron, órgão hammond, vocoder, balafon sampleado, produção musical e edição), Alexandre Caldi (flauta e saxofone tenor), Alice Passos (coro), Aline Gonçalves (flauta e flauta baixo), Andréa Ernest Dias (flauta), Claudia Castelo Branco (pianos preparados), Elísio Freitas (guitarra e violão de aço), Everson Moraes (trombone), Joana Queiroz (clarinete e clarone), Jorge Continentino (clarinete e saxofone tenor), José Arimatéa (trompete), Lívia Nestrovski (coro), Luizinho do Jêje (percussão), Marcelo Galter (piano e clavinet), Mariana Baltar (coro), Mariana Zwarg (flauta), Marlon Sette (trombone), Reinaldo Boaventura (percussão e bateria), Reinaldo Seabra (tuba), Sérgio Krakowski (pandeiro), Sylvio Fraga (violão e direção artística) e Vovô Bebê (baixo), um escrete de luxo, para citar apenas alguns.

“A enseada é perdida porque quando voltei para o Rio, pouco me achei. Como na arcaica expressão latina, ubi sunt? — onde estão?”, revela, num álbum arranjado em dois meses e meio, em que “impunha-se radicalizar contrastes. Samba-enredo, ramunha, toada, rock, frevo, dansón” e ritmos do candomblé.

“No Rio e em Beagá já criei fama/ Vou me deitar num leito-cama/ Vou lhe encontrar em Salvador”, demonstra na letra de “Dinamismo”, de assinatura solitária, como em quase todas as 11 faixas do autoral Enseada Perdida. As exceções são “Oração à cobra grande” (parceria com Luiza Brina) e “Penteu” (com Sylvio Fraga).

O carnaval (“Baía de Janeiro”, “Cidade possessa”) e a “Orgia” permeiam Enseada Perdida, com ecos de José Celso Martinez Corrêa (1937-2023) e Noel Rosa (1910-1937) com seu “samba em feitio de oração”, para além das influências reveladas por Thiago Amud no texto da contracapa do álbum – disponível nas plataformas de streaming (a partir desta quarta, 29) e em vinil.

“Cadê a enseada/ Emoldurando Inhaúma/ Os rios de Ramos/ A Penha das águas salgadas/ E avenida nenhuma”, pergunta-se/nos em “Baía de Janeiro”, uma reflexão sobre o desenvolvimento e o progresso a qualquer custo – e a fatura posteriormente cobrada. “E a pedra sobre o monturo/ Foi inchando de saudade do futuro/ E canta agora em mim”, canta adiante.

Quantas enseadas foram soterradas? O chão que Thiago Amud pisa é revolvido por sua arte, oferecendo-nos um disco que olha para trás sem sabor saudosista, mirando o futuro não como utopia: Enseada Perdida é a trilha sonora de um Brasil possível, que existe, pulsa e faz festa.

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