Uma visita a Buriti Azedo, um passeio entre o jornalismo e o realismo fantástico

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"Curacanga" - capa/ reprodução
"Curacanga" - capa/ reprodução

Curacanga, todos sabemos, é uma personagem do folclore brasileiro, uma cabeça que vagueia, sem corpo, pela noite. A palavra-personagem dá título ao novo livro (Flyve, 2024, 378 p.; R$ 60,00 no site da editora) de João Marcos, jornalista e mestrando em Comunicação Social pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em Imperatriz/MA, sua cidade natal.

O autor é hábil ao cruzar história e ficção para criar um enredo envolvente. Estamos diante de um thriller que costura jornalismo, realismo fantástico, história oral e cultura popular.

A trama se passa na fictícia Buriti Azedo, no interior do Maranhão, em 1958, época da construção da rodovia Belém-Brasília, durante o governo (1956-1961) do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976).

Dois veículos de comunicação abrem um concurso para a escolha de novos talentos e enviam os recém-selecionados para realizar uma reportagem no Brasil profundo.

Apesar de obra de ficção e de a trama se desenrolar pouco antes do embarque da seleção brasileira para a Suécia, onde se tornaria campeã mundial pela primeira vez, João Marcos consegue abordar temas ainda bastante atuais no Brasil, como corrupção, violações de direitos humanos decorrentes de megaprojetos de desenvolvimento, grilagem, poluição, racismo e pistolagem, entre outras violências.

Em certa medida, Curacanga expõe também os bastidores do ofício jornalístico, entre o trabalho em equipe, a guerra de egos, as relações entre redações e departamentos comerciais e o consumo desenfreado de cafeína e nicotina, com uma lupa que abarca tanto o período em que se passa o livro quanto os dias atuais. Apesar do declínio dos veículos impressos desde então, não soa saudosista.

Francisco Pereira, seu protagonista, negro, sonha em se tornar jornalista para melhorar de vida e ajudar seus pais, com quem mora em um cortiço em São Paulo. O livro é também uma história de superação, que mostra que às vezes é necessário recuar para avançar – sem que isto o transforme em autoajuda.

A Curacanga faltou apenas uma revisão mais caprichada. Não me causaria espanto se a obra ganhasse adaptação cinematográfica: o livro tem toda vocação e qualidades para tal.

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