E D I T O R I A L: CENSURAR O FAROFAFÁ?

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Tapar o sol com a peneira é uma expressão antiga para designar um esforço mal sucedido de ocultar uma coisa mal feita ou negar uma evidência. Não é incomum o poder público se valer de artifícios como esse para encobrir ou turvar alguma realidade que lhe seja muito desfavorável. Editores de FAROFAFÁ, acreditamos que é esse tipo de impulso que está por trás da notificação extrajudicial 00037/2024 que nos foi endereçada pela Advocacia-Geral da União (AGU), presumivelmente a pedido do Ministério  da Cultura (MinC), pelo teor do texto.

Direcionada ao veículo e ao repórter e editor Jotabê Medeiros, no último dia 6 de novembro, a notificação extrajudicial exigia a publicação de direitos de resposta a reportagens publicadas no site farofafa.com.br que tratavam do contexto das políticas audiovisuais do MinC. O documento foi assinado pelo Procurador Nacional da União de Defesa da Democracia Substituto, Rafael Rossi do Valle. A AGU (organismo de representação jurídica ao poder executivo), que normalmente é acionada a partir de uma alta posição hierárquica no organograma do Estado brasileiro, alegou “informações inverídicas ou incompletas” nas reportagens.

Invocando a Lei 13.188-15, a notificação ia além e embutia uma ameaça de processo judicial. FAROFAFÁ solicitou esclarecimentos técnicos antes de publicar os textos, até porque havia trechos com possíveis erros de formulação. Com a mesma postura de ignorar o diálogo, a AGU ignorou completamente nosso pedido de explicações. Trata-se de um comportamento, no mínimo, curioso, já que o órgão carrega o nome de Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia e a notificação vinha com a observação: “Certos de sua colaboração, nos colocamos à disposição para eventuais elucidações necessárias”. Apesar do silêncio, no último dia 13, cumprimos com nossa determinação jornalística de atuar com transparência e em consideração aos princípios republicanos, publicando na íntegra os textos encaminhados pela AGU e concedendo-lhes o destaque solicitado pelo órgão. 

Mas, dado o ineditismo desse tipo de inquirição em um regime democrático – FAROFAFÁ não foi molestado, por exemplo, pelo bureau extremista da guerra cultural do bolsonarismo -, achamos por bem divulgar aqui, sem obstar o direito de resposta, as dúvidas que listamos em relação à argumentação do MinC (pela via transversal da notificação extrajudicial da AGU).

Primeiro, é preciso deixar claro que FAROFAFÁ, imbuído do desejo de contribuir para a preservação e o aprimoramento democrático do país e inimigo figadal dos estratagemas golpistas, é uma iniciativa jornalística de informação e opinião gerida por profissionais independentes, responsáveis, credenciados pelo MEC, que não tem parti pris e jamais se coloca a serviço, a priori, deste ou daquele governo. A crise no audiovisual brasileiro, derivada de uma gestão muito criticada em todo o país, é hoje um fato incontestável e vem sendo amplamente reportada em variados veículos de comunicação, inclusive os do mainstream jornalístico. Essa situação atravanca a cultura e prejudica milhares de produtores e um setor inteiro da economia brasileira.

O bom jornalismo incomoda, e disso deriva muitas vezes um custo, um isolamento, até uma estigmatização. Não nos amedrontam essas consequências, mas nos chama a atenção quando se faz uso de um instrumento desigual de interpelação – o poderoso bunker judicial do Estado brasileiro contra um modesto site de informação cultural sem patrocinadores – para impor uma versão oficial para fatos que não foram consagrados por um acontecimento isolado, mas por uma sequência de eventos.

O objetivo implícito do governo é silenciar críticas?

Para que fique evidente qual é a versão de FAROFAFÁ, divulgamos a seguir o pedido de esclarecimento que foi ignorado pela AGU, acrescido de algumas ponderações: 

Item 1: Não há, na reportagem em questão, a afirmação de que houve uma mudança do modelo de gestão da Cinemateca Brasileira (houve de fato um erro no título original, que dava a entender isso, mas foi corrigido em poucos minutos pela edição). O que a reportagem, sim, sustenta, é que, na prática, a extinção do Conselho Técnico da Cinemateca Brasileira (CTCB) não é uma mudança inócua, sem consequências, como quer fazer crer o Ministério da Cultura, e impacta na forma de gestão. Realizada sem consulta aos conselheiros da instituição e sem discussão prévia com a comunidade audiovisual, a dissolução do CTCB, organismo criado em 2021 e cuja existência foi duramente conquistada durante lutas intensas na pandemia (contra um governo antidemocrático), exclui das decisões representantes indicados pelas associações e sindicatos de diferentes setores de cinema, além de membros natos do MinC e da Cinemateca Brasileira. Com a mudança, foi extinto um órgão consultivo que tinha como princípio equilibrar as relações de poder e democratizar as decisões na Cinemateca Brasileira;

Item 2: A notícia sobre a possibilidade de fechamento do CTAv (“cogita fechar”) foi elaborada com base em instrumentos tradicionais da apuração jornalística (fontes internas, entrevistas e documentos), e essa possibilidade foi confirmada posteriormente em reportagens de outros veículos (conforme links abaixo). Pedimos para a AGU, simplesmente, que nos fosse informado se houve um tratamento isonômico em relação à insatisfação com a notícia – ou seja, se foram também notificados extrajudicialmente pela procuradoria outros veículos que apuraram, por vias diferentes, a mesma informação, como aqui na Folha de S.Paulo e no Diário de Cuiabá:

Havia ainda um outro ponto elencado pela procuradoria no item 2 (“Crise do audiovisual leva setor a reunião emergencial com o governo”) cujo questionamento deixou de ser desenvolvido na exigência dos direitos de resposta. Gostaríamos de saber qual era especificamente a dúvida em relação a esse texto, de reportagem distinta, que descrevia um encontro fora da agenda entre Márcio Tavares, secretário-executivo do MinC, e produtores audiovisuais. Isso porque, caso houvesse algum questionamento, estaríamos dispostos a enviar a gravação completa da reunião do secretário e a degravação dos diálogos para ajudar a dirimir as dúvidas. 

Item 3: Sem pretender estender o assunto, mas as regras do jornalismo nos obrigam a questionar se este trecho da resposta que se pretendeu publicada (“estamos trabalhando ativamente na renegociação dos contratos para assegurar a continuidade das operações, mantendo o CTAV em pleno funcionamento”) não confirma de forma tácita a mesma dúvida que levou à inquietação dos servidores e da imprensa. Ou seja: se a Secretaria do Audiovisual está em processo de renegociação dos contratos para manter o funcionamento do CTAv, então o funcionamento não poderia, por conseguinte, estar plenamente assegurado, correto?

Item 4: A reportagem não afirma que teria havido, em algum momento, interrupção do atendimento no acesso ao acervo do CTAv. O texto, com tom crítico, apenas expressou a suspeita de que a portaria de definição das metas do CTAv tenha sido editada de forma açodada, já que surgiu no calor do debate sobre a suspensão ou não dos serviços do centro audiovisual.

Sendo apenas essa nossa demanda de esclarecimentos, agradecemos imensamente e nos mantemos à disposição:

EQUIPE FAROFAFÁ

Jotabê Medeiros

Eduardo Nunomura

Pedro Alexandre Sanches

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