Mocofaia, palavra que batiza o trio formado por Luizinho do Jêje (voz e percussão), Marcelo Galter (voz, teclados e baixo sintetizador) e Sylvio Fraga (voz, violão e banjo), carrega uma fina ironia: ao mesmo tempo em que significa o lugar da desordem, dá nome ao trio e ao homônimo álbum de estreia de três músicos experimentados e consagrados na medida do possível – o quanto suas juventudes e trajetórias permitem.
Mocofaia, o álbum, sai em streaming (faça aqui a pré-save) e vinil pela gravadora e fábrica Rocinante, responsável por alguns dos grandes álbuns da música popular brasileira recente – incluindo trabalhos de integrantes do trio e/ou colaborações deles com outros artistas e nos trabalhos solo uns dos outros.
Ao longo de sete faixas, percebemos, entre o terreiro e a pista, a urdidura de uma sonoridade que preza pela coletividade: mais da metade das faixas é assinada pelos três e nenhuma delas tem assinatura solitária.
“Pinga no quintal da minha cabeça”, diz a letra de “História do Quintal”, esse “cômodo” tão importante para o brasileiro. Mocofaia deve dar nó na cabeça de quem teima em querer rotular tudo: é difícil classificar o som do trio, que cabe e fica bem em diversas prateleiras, como também são diversas as referências.
São dois baianos e um carioca que não se preocupam com a suposta disputa, tão velha quanto inútil, sobre onde nasceu o samba. O que o trio quer é fazer samba a seu modo, e em sentido amplo, como rezava João Gilberto (1931-2019): tudo é samba. Além do papa bossa-novista, o álbum, como as cabeças (e seus quintais) de seus integrantes, é impregnado de Dorival Caymmi (1914-2008), João Donato (1934-2023), Gilberto Gil, Olodum, Naná Vasconcelos (1944-2016), Letieres Leite, Tom Jobim (1927-1994), Mestre Pastinha (1889-1981), João Bosco, Codona (o super trio formado por Collin Walcott [1945-1984], Don Cherry [1936-1995] e o citado Naná Vasconcelos), além da gambiana Sona Jobarteh, a malinesa Oumou Sangaré e o camaronês Francis Bebey (1929-2001).
“Não me amarre, por favor”, verso-pedido da letra de “Mestre Besouro Mangangá” é chave para compreender o modo de o trio fazer música: a liberdade lhes permite criar uma música de raiz, cruzando referências ancestrais afro-brasileiras e inventividade, entre o sagrado dos terreiros das religiões de matriz africana e as pistas de dança por onde este álbum também deve fazer sucesso.
Como diria Chico Science (1966-1997): “organizando posso desorganizar”. Vida longa à mocofaia do trio Mocofaia.