O Instituto Moreira Salles (IMS) anunciou essa semana a incorporação do acervo do cartunista paulistano Angeli, formado por 700 charges, 700 tirinhas e 700 ilustrações originais (acompanhados por seus esboços) produzidos em meio século de trabalho. O acervo de Angeli segue a trilha aberta em 2013 com a ida para o IMS do acervo de Millôr Fernandes, que foi grande influência de Angeli. Hoje, o acervo do IMS conta com as coleções de J. Carlos, Millôr, Hilde Weber, Claudius, Cássio Loredano e agora Angeli, um material que permite recompor parte expressiva da História das artes gráficas e do desenvolvimento da comunicação do Brasil no século 20 em diante (em especial, da maior metrópole brasileira).
“O Angeli guardou cuidadosamente a maior parte do que produziu, de uma forma metódica e organizada. Isso pode parecer contraditório para seus fãs, mas, vendo o acervo que formou, é evidente a preocupação com sua conservação. Mais tarde, ele transmitiu o desejo, e a preocupação, de que sua obra ficasse conservada e acessível ao público, que integrasse um museu”, declarou a curadora Julia Kovensky, do IMS.
Criador de personagens marcantes da cultura pop, como Rê Bordosa, Doy Jorge e Bob Cuspe, foi o próprio cartunista, segundo informou o IMS, quem iniciou o processo de cessão do seu acervo, mas há cerca de quatro anos Angeli recebeu o diagnóstico de uma doença neurodegenerativa que o impediu de seguir produzindo. Ele tem 67 anos. O IMS divulgou, e publicamos a seguir, uma pequena biografia do cartunista, que formou, com Laerte, Glauco e Adão Iturrusgarai, a inesquecível brigada de cartunistas batizada de Los Três Amigos (que eram quatro, na verdade, como os mosqueteiros de Dumas). “O trabalho do Angeli é fortemente influenciador de comportamentos, ideias, atitudes e ações. É muito comum as pessoas dizerem o quanto as histórias do Angeli fizeram parte da sua formação em épocas como a adolescência e a juventude. Isso tudo é de uma importância absurda. É muito legal saber que o IMS vai poder ser o pivô dessa movimentação de recolocar esse material todo em circulação”, declarou a cartunista Laerte.
MINIBIO DE ANGELI PELO IMS
Arnaldo Angeli Filho nasceu em 31 de agosto de 1956 na Casa Verde, bairro na Zona Norte de São Paulo, numa família de imigrantes italianos. O pai era funileiro, e a mãe, costureira. Depois de repetir três vezes a quinta série e ser expulso do colégio, aproximou-se do rock e da cultura underground. Aos 14 anos, emplacou um desenho na extinta revista Senhor, publicação que foi um marco no jornalismo cultural brasileiro.
Em 1973, fez sua primeira colaboração para o jornal Folha de S.Paulo. A chargista Hilde Weber, alemã radicada no Brasil e que trabalhava em O Estado de S. Paulo, recomendou-o ao ex-marido, o jornalista Claudio Abramo, então editor da Folha. Dois anos depois, seria contratado para uma prolífera parceria de quase cinco décadas. No jornal, construiu uma carreira brilhante, publicando simultaneamente charges políticas e a tira Chiclete com Banana, onde surgiram personagens icônicos, como Rê Bordosa e Bob Cuspe. Chiclete com Banana se tornaria revista independente em 1985, chegando a atingir tiragem de 110 mil exemplares. Nela foi lançado o projeto Los Tres Amigos, realizado em parceria com Laerte e Glauco, também cartunistas.
Desenhista compulsivo, os dois fechamentos diários em jornal nunca foram um problema para ele. “A prancheta é a minha casa”, afirma num dos vídeos produzidos para a Ocupação Angeli, realizada em 2012 no Itaú Cultural, em São Paulo. “Eu não consigo dormir. Eu não consigo ficar muito tempo longe dela. E isso é meio doente mesmo. Eu até almoço e janto em cima da prancheta. Eu preciso da minha prancheta. Eu não consigo tirar férias porque não posso levar minha prancheta.”
A obra de Angeli foi celebrada em diversas plataformas. Além da Ocupação Itaú, em 2012, em 2023 foi homenageado na Cartoon Xira, em Portugal, com a exposição individual 50 anos de humor. Três coletâneas de tirinhas foram lançadas pela editora Companhia das Letras: Toda Rê Bordosa (2012), Todo Bob Cuspe (2015) e Todo Wood & Stock (2020). No audiovisual, o cineasta Cesar Cabral dirigiu o curta Dossiê Rê Bordosa (2008), a série Angeli The Killer, com duas temporadas, e o longa-metragem Bob Cuspe — Nós não gostamos de gente (2021) — este premiado em 2022como melhor animação em longa-metragem no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. O próprio Angeli é retratado no curta documental Angeli 24 horas (2010), de Beth Formaggini. No teatro, o grupo paulistano Parlapatões estreou em 2013 o espetáculo Parlapatões revistam Angeli, texto de Hugo Possolo e Angeli baseado na obra do cartunista, com trilha sonora de Branco Mello. Em abril de 2022, aos 65 anos, Angeli anunciou sua aposentadoria por problemas de saúde.