Ativistas dos movimentos afrobrasileiros pedem a Margareth que anule exoneração de museólogo

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Objetos da coleção Acervo Nosso Sagrado: destaque dado por diretor à coleção levou Ministério da Cultura a demiti-lo, dizem ativistas

Representantes de entidades dos movimentos afrobrasileiros enviaram uma carta aberta na quarta-feira, 31, ao Ministério da Cultura, em Brasília, endereçada à ministra da Cultura, Margareth Menezes, que volta das férias justamente hoje já com algumas crises na mesa. Eles escreveram a carta expressando sua indignação com a exoneração do diretor do Museu da República, Mario Chagas, no último dia 17 de julho de 2024, por Fernanda Castro, presidenta do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Os ativistas, representando lideranças religiosas de 11 terreiros de candomblé e umbanda, pedem à ministra que ela anule a exoneração de Mario Chagas, permitindo que ele continue trabalhando por mais dois anos no projeto do Acervo Nosso Sagrado, coleção fundamental e rara de objetos de cultos afrobrasileiros apreendidos pela repressão policial aos cultos afro (e cujo resgate é considerado como “um dos maiores e mais simbólicos atos de reparação histórica de nosso país, em favor da população negra, em especial dos povos de terreiros”).

A chefe do Ibram, Fernanda Castro, divulgou nota na semana passada informando que demitira Mario Chagas por ele não estar “alinhado” aos princípios de sua gestão. Nesta quinta-feira, às 10 horas, Fernanda se reuniu pela primeira vez após a demissão com o Grupo de Gestão Compartilhada do Acervo Nosso Sagrado, formado por ativistas e líderes da cultura afrobrasileira, para explicar o que fundamentou sua decisão. A reunião foi realizada na Reserva Técnica do Museu da República, com a participação de Michel Correia, assessor do Ibram, Ana Cecília Lima Sant’Ana, diretora interina do Museu da República, o diretor exonerado Mario Chagas e as servidoras Maria Helena Versiani e Livia Murer. Não foi exatamente um encontro amistoso (leia abaixo a íntegra da carta dos líderes religiosos que descreve a acareação).

A presidenta do Ibram se reúne nesta sexta-feira, 2, com Margareth Menezes, e eles esperam que essas questões sejam reexaminadas pela ministra – há informações de que a ordem de desligamento de Chagas tenha partido da própria secretaria executiva do MinC, que Margareth, ativista também da cultura afro da Bahia, dirige. Foi a própria ministra a assinar a exoneração, um dia antes de sair de licença.

Os militantes e as lideranças religiosas consideram que o Museu da República, por iniciativa de seu então diretor, Mário Chagas, foi a única instituição que acolheu as demandas da líder Mãe Meninazinha de Oxum, do Ilê Omolu Oxum, e outras importantes lideranças religiosas que encabeçaram a campanha Liberte Nosso Sagrado, quando o acervo de objetos sagrados ainda estava em poder do Museu da Polícia Civil, e sua segurança estava ameaçada por preconceito e desconhecimento. Chagas constituiu um Grupo de Gestão Compartilhada do acervo afro, “compreendendo que a técnica museológica sozinha não daria conta de bem preservar este patrimônio, dada a complexidade de sua dimensão sagrada e no contexto de um raro caso de reparação histórica”. Há um outro episódio semelhante em curso, dessa vez relacionado a um objeto de dimensão sagrada dos indígenas: o Manto Tupinambá repatriado da Dinamarca. A iniciativa do Museu da República foi saudada por diversas instituições e ganhou o Prêmio Rodrigo de Melo Franco, do Iphan, que foi entregue ao museu pessoalmente pela ministra Margareth Menezes, em cerimônia realizada em Brasília no dia 24 de junho de 2024.

Nesta quinta-feira, 1º de agosto, em despacho no Diário Oficial da União, a presidente do Ibram nomeou a diretora substituta para o Museu da República, a arquiteta Ana Cecília Lima Sant’ana, funcionária de carreira do Ibram (e que já esteve presente à reunião no Rio com as liderenças religiosas). O Grupo de Gestão Compartilhada do Acervo Nosso Sagrado, no entanto, considera que o anúncio do Ibram de que será feito um novo concurso para selecionar o próximo diretor do museu não é apenas algo desrespeitoso, mas também insólito, inexplicável. “Laços de lealdade, confiança e respeito não se constroem com a nomeação de um outro agente, completamente alheio ao nosso trabalho, fora do contexto e ‘alinhado’ com as diretrizes pouco claras do Ibram”, disseram, em nota.

A ação de Chagas na revalorização do acervo é considerada fundamental para fortalecer iniciativas de combate ao racismo no Brasil. A justificativa do Ibram para a exoneração sumária do diretor causou revolta, motivando um abaixo-assinado com mais de 4 mil assinaturas até a semana passada. “Além de se aportar como decisão autoritária, sem a construção de diálogos com o diretor exonerado e a equipe do museu, o Ibram desconsiderou dialogar também com o Grupo de Gestão Compartilhada do Acervo Nosso Sagrado antes de decidir pela exoneração, que entendemos insensível e arbitrária”, afirmaram.

Carta aberta

Grupo de Gestão Compartilhada do Acervo Nosso Sagrado

Acreditávamos que seria uma reunião para responder à nossa Carta de Repúdio, de 19 de julho de 2024, em que questionamos o real motivo da exoneração
abrupta do diretor do Museu. Muito embora a presidente do Ibram tenha garantido a
continuidade dos trabalhos realizados pelo grupo e a permanência de Mario Chagas
e Maria Helena Versiani no Grupo de Gestão Compartilhada, o que ocorreu foi a
tentativa de criar uma justificativa furtiva, mal explicada e relacionada à “institucionalidade” do Ibram e do Ministério da Cultura, situando a questão como
algo sobre o que o Nosso Sagrado não pode acessar. Ainda assim, pedimos que a
presidente do Ibram fosse específica e honesta em suas palavras; contudo, as respostas seguiram evasivas, sugerindo a existência de uma questão que não poderia ser revelada, tendo em vista preservar funcionários, parceiros e o próprio
Ibram, segundo as palavras da presidente.
Ainda que tais explicações tenham sido avalizadas pela diretora indicada para
substituir Mario Chagas, a falta de consistência de seus argumentos ficou acentuada
ao lançar dúvidas sobre a competência e a honra do então diretor Mário Chagas.
Mesmo com o pedido reiterado de Mãe Meninazinha de Oxum por uma explicação
sobre a exoneração, nada ficou elucidado. Todas as lideranças se pronunciaram e
discordaram sobre a forma arbitrária, unilateral e isenta de diálogo com a qual foi
conduzida a saída de Mario Chagas e a interrupção de um trabalho realizado de
forma exemplar nos últimos seis anos.
A presidência do Ibram não conseguiu (e ainda não consegue) dimensionar o
estrago feito para a dinâmica deste grupo, e, acreditamos, também dos servidores e
prestadores de serviços do Museu da República e dos parceiros constituídos ao
longo dos últimos anos, que compartilham o sentimento de uma intervenção sem
sentido dentro da instituição. Intervenção que se mostra como um ato de vontade
pessoal indiferente à importância das ações concertadas por Mario Chagas ao longo de sua gestão, voltadas para a valorização de uma cultura emancipatória e antirracista.

Restou-nos pedir que, se o motivo da exoneração não pode ser dito e publicizado, que também não lancem dúvidas nos termos de comunicações que
sugerem a existência de razões obscuras, irregulares e não explicitadas sobre o
trabalho de Mario Chagas; em tom desqualificador e ameaçador do que se mostra e
sempre se mostrou um trabalho criterioso, sério e transparente e de longo alcance
em relação à Museologia Social.
Se o Ibram queria trazer alguma tranquilidade para o nosso grupo, infelizmente
só conseguiu trazer mais incertezas e desapontamentos. Parece-nos que o Instituto
não percebe e não quer reparar o erro histórico de impor, a demissão de um dos
maiores profissionais da Museologia brasileira e um gigante da Museologia Social.
A reunião terminou sem apertos de mãos e estimamos uma resposta da Ministra
Margareth Menezes, com quem gostaríamos cordialmente de ter a oportunidade de
um diálogo democrático, em que pudéssemos argumentar sobre o mal social que o
ato da exoneração do Mario Chagas representa para o processo de reparação histórica do Nosso Sagrado e para os que lutam por equidade e justiça.

Rio de Janeiro, 1° de agosto de 2024.

Grupo de Gestão Compartilhada do Acervo Nosso Sagrado

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