Toni Platão dedicou seu show a Regina, atendente da farmácia do Conjunto Nacional da Avenida Paulista, que lhe providenciou uma injeção salvadora. Na noite de sexta-feira do Blue Note, quase todos os gatos são grisalhos, mas Toni não é heroi de um tempo só. Os fãs sabiam de tudo. “Vai, Fluzão!”, berrou um deles, fazendo o bullying da segundona.
Foi a estreia em São Paulo do show Toni Platão canta O Amor Segundo Herbert Vianna. Baixo, guitarra, bateria e teclados e Toni. Desfilaram 22 canções do compositor e cantor dos Paralamas, 22 sucessos de rádio aos quais Toni deu novas roupagens e, principalmente, engoliu com sua voz inacreditavelmente potente, preservada, bluesy, incomparável a qualquer outra em atividade na seara do rock nacional. Ele já abre de forma sensacional, cantando Vamos Viver. “Vamos acabar com a dor/E arrumar os discos numa prateleira”. Seguem-se quatro décadas de canções imediatamente reconhecíveis: Óculos (1984), Mensagem de amor (1984), Meu erro (1984), Nada por mim (1985), Quase um segundo (1988), Lanterna dos afogados (1989), Saber amar (1995), O amor não sabe esperar (1998), Derretendo satélites (1998), Cuide bem do seu amor (2002), finalizando com Tudo Que Vai (2000). Esse show já roda o Rio há dois anos, esteve no Manouche e no Teatro Rival, mas em São Paulo só desembarcou agora. “Essa música ficou muito famosa. Não comigo, claro”, ele disse, docemente sarcástico, mas aliviado com o conforto da coadjuvância geracional libertária.
O carioca Antonio Rogério Coimbra, o Toni Platão, garganta dos anos 1990, não é só fisicamente parecido com Cássia Eller (como o pessoal do Rock Gol da MTV o apelidou, jocosamente, naqueles tempos). É possivelmente uma voz gêmea, daquele tipo de garganta que não conhece contenção, cálculo, acanhamento, medo de ser livre. Encara cada show como se fosse o último. Contam-se nos dedos de uma mão essas qualidades em circulação por aí. Ex-frontman do grupo Hojerizah, nos anos 1980, Toni atravessou quatro décadas de sobrevivência como intérprete, e hoje, ao reencontrá-lo, nos damos conta de que se tornou um dos melhores do País, o negócio decantou, a voz fez academia, é capaz de enfrentar qualquer tipo de repertório, e que sua resistência à sucumbência dos tempos é uma bênção.
É interessante notar como as músicas que Herbert Vianna compôs foram se enraizando na memória, tornando-se um fato cultural, reivindicando perenidade – mas só que de maneira suave, sem forçar a barra, encaixando-se primeiro nos territórios diáfanos do pop, compactando seus versos, destacando-os na crônica dos afetos possíveis. Ao revesti-las com outros ritmos, outros gêneros, imprimir uma pulsão funk, e encená-las com tanta verdade, Toni está lhes emprestando a autoridade do sentimento, e isso é raro.
Toni instaurou no Blue Note, assim que entrou em cena, uma espécie de Zona Franca das possibilidades orgânicas da música. Ele só carrega a voz, mas é suficiente. Todos tocam de verdade, nada é sintético: Cris Caffarelli no teclado, violão e vocal; Gustavo Camardella na guitarra e voz; Mauricio Boriono na bateria e vocal; e Wlad, no baixo. Parece pouco, mas está virando quase um artigo de luxo. Espero que repitam esse concerto o mais rápido possível porque, enquanto houver Toni Platão, teremos refúgio.
Muito bom o texto.