A menos de um mês para completar 88 anos, Hermeto Pascoal lança novo álbum nesta terça-feira (28): Pra Você, Ilza (Rocinante, 2024; faça aqui o pré-save) reúne 13 faixas em streaming (10 no vinil), pinçadas de um universo de quase 200 compostas pelo alagoano para a musa, falecida há 24 anos, sua companheira por 46, mãe de seis filhos.
Todas as faixas são de autoria de Hermeto Pascoal (berrante, copo com água, chaleira, cano PVC, flauta baixo, escaleta, piano acústico e teclados), que está acompanhado por seu famoso Grupo: André Marques (piano acústico e teclados), Jota P. (saxofones soprano, alto e tenor, flauta e flautim), Itiberê Zwarg (baixo elétrico e tuba), Ajurinã Zwarg (bateria e percussão) e Fábio Pascoal (percussão).
Hermeto Pascoal assina direção musical e arranjos e divide a direção artística com seu filho Fábio Pascoal. O disco de inéditas é uma “carta de amor” para “a morena linda da foto, filha do violonista Romualdo Miranda”. Das partituras registradas em um caderno dedicado a ela, escrito entre 1999 e 2000, o bruxo escolheu temas das primeiras páginas, povoadas de choros, mas acabou incorporando outros gêneros no processo de escrever os arranjos, fazendo jus aos conceitos de música livre e música universal, já conhecidos de quem acompanha seu trabalho: com o auxílio luxuoso do Grupo, os temas ficaram prontos praticamente dentro do estúdio.
Lenda viva da música brasileira, gravado por Miles Davis (1926-1991), homenageado por Caetano Veloso (“Podres Poderes”, de 1984, e “O Estrangeiro”, de 1989), Chico Buarque (“Paratodos”, de 1993), Aldir Blanc (1946-2020) e Guinga (“Chá de Panela”, gravada por Leila Pinheiro em 1996), Hermeto Pascoal está à toda: em abril esteve em São Luís, onde se apresentou na Casa Barrica, com seu Grupo, abrindo a programação do Festival de Música Universal; este mês ganhou a biografia Quebra Tudo! – A Arte Livre de Hermeto Pascoal (Kuarup Editora, 279 p.), do jornalista Vitor Nuzzi (biógrafo de Geraldo Vandré); e também amanhã, às 19h, no Sesc Bom Retiro (Espaço expositivo/2º andar – Alameda Nothmann, 185, Campos Elíseos, São Paulo/SP) acontece a abertura da exposição Ars Sonora – Hermeto Pascoal, com curadoria de Adolfo Montejo Navas, que reúne desenhos, objetos e instalações do artista. Com entrada franca, a exposição poderá ser visitada até 3 de novembro, de terça a sexta das 9h às 20; sábados das 10h às 20h; e domingos e feriados das 10h às 18h.
Hermeto Pascoal falou com exclusividade ao FAROFAFÁ.
CINCO PERGUNTAS PARA HERMETO PASCOAL
ZEMA RIBEIRO: Pra Você, Ilza, o novo álbum, Quebra Tudo!, a biografia escrita pelo Vitor Nuzzi, e a exposição Ars Sonora, no Sesc Bom Retiro, com curadoria de Adolfo Montejo Navas. Às vésperas de completar 88 anos, o senhor está com todo gás, a todo vapor. Qual o segredo?
HERMETO PASCOAL: O segredo é a música. Eu vivo de música, faço música sem parar, componho todos os dias, e ela me leva pra todos os cantos do mundo. O segredo é esse: a música. Muita alegria em estar com os músicos maravilhosos do meu grupo e com esse povo maravilhoso.
ZR: Como foi a experiência de revisitar o amor a Ilza, sua companheira por mais de quatro décadas e mãe de seis filhos, no repertório deste novo álbum?
HP: Uma coisa incrível. Tudo que eu faço já era pra Ilza, mas esse trabalho acabou sendo ainda mais. Já tem muitas músicas em homenagem a ela, como “Ilza na Feijoada”, “Voa, Ilza”, “Menina Ilza”, e agora tem o disco Pra Você, Ilza.
ZR: Como foi o processo de seleção de repertório, de chegar às 13 faixas do álbum, entre cerca de 200 partituras dedicadas a Ilza e escritas no início deste século?
HP: Olha, eu escolhi o repertório de maneira muito fácil. As músicas eram um pouco ligadas uma à outra. Escolhi uma música que escrevi no dia 17 de janeiro, que é o aniversário da Ilza, e as outras foram uns choros que eu escolhi. Dei uma olhada e não premeditei, fui apenas sentindo. Foi assim que escolhi essas músicas.
ZR: Pra você, Ilza, o álbum, também é marcado pela improvisação, já que você chegou ao estúdio com as partituras e foi regendo o grupo, às vezes terminando de compor as peças ao longo do processo de gravação. É possível dizer que este é o método Hermeto de composição?
HP: É isso mesmo. As músicas estavam no papel quando chegamos no estúdio [Rocinante] e fizemos o arranjo na hora. Eu fui criando o arranjo junto com o grupo. Eles conhecem muito bem a minha maneira de trabalhar e foi muito lindo, no meio da natureza. É a maneira que eu gosto de fazer arranjo, de tocar música, de criar. Porque depois que eu componho, elas já não são mais minhas, são do mundo. Meu grupo sabe muito bem.
ZR: Recentemente o senhor esteve em São Luís, participando do Festival de Música Universal, que em outras noites teve apresentações de Itiberê Zwarg e Mariana Zwarg, ele há quase 50 anos em seu grupo, ela sua afilhada. Quer dizer, quase todo o ótimo festival foi sustentado por músicos de algum modo formados pelo senhor. Além de uma enorme responsabilidade, como o senhor avalia este legado?
HP: Eu não considero uma responsabilidade, pra mim é uma alegria. O Itiberê é meu parceiro de muitos anos, já fizemos muitas coisas juntos, já viajamos pra muitos lugares do mundo, e ele entende muito bem a maneira que eu escrevo, a maneira que faço música, o conceito da música universal. A Mariana e o Aju, que é o irmão dela, baterista do grupo, cresceram lá no Jabour, sempre na minha casa, nos ensaios, eles estavam sempre com a gente. Então eu acho que é isso: espalham música pelo mundo. E eu fico muito feliz que tem muita gente por aí fazendo da sua própria maneira, com seu próprio sotaque, essa música que eu chamo de música universal.