A carnificina está ali para quem quiser ver, e talvez temer. Esse pode ser o recado principal de Guerra Civil, filme em cartaz e estrelado por Wagner Moura, que mostra um possível cenário de países que levam ao extremo a polarização política. A distopia do escritor e diretor britânico Alex Garland não poupa o espectador de execuções gratuitas, estúpidas e sumárias, justamente numa tentativa de dizer que as batalhas de qualquer época são mesmo violentas. Até aí seria apenas mais uma obra sanguinolenta de Hollywood, que nunca teve pudor em espetacularizar a morte. O problema é quando ela retrata um jornalismo desprovido de jornalismo, o que, aqui entre nós, pode ser chamado de desinformação.
Na trama, o ator brasileiro interpreta Joel, um jornalista norte-americano da agência Reuters, que está sempre atrás de uma boa história. Acompanhado de Lee Smith (Kirsten Dunst), uma veterana fotógrafa de guerra, eles decidem entrevistar o presidente dos Estados Unidos (Nick Offerman), confinado na Casa Branca. Ao insistir em permanecer no poder, o líder norte-americano joga uma guerra civil no colo da nação mais poderosa do planeta. Mas o filme começa dias antes, em Nova York, quando a dupla faz os preparativos para uma viagem que se sabe é perigosa e difícil de se chegar.
Ao embarcar nessa viagem até DC, em Washington, os jornalistas correrão muitos riscos, já que eles são considerados inimigos a serem tombados – é curioso que nunca se saberá por quem, porque a narrativa imposta por Garland recorre à desideologização da história. Uma facção rebelde separatista conhecida como Frente Ocidental também está a caminho da Casa Branca, para depor o presidente. Joel e Lee precisam chegar antes. Eles serão acompanhados por Sammy (Stephen McKinsey Henderson), um jornalista “do que restou do New York Times” – na fala de Joel – e da jovem Jessie (Cailee Spaeny), que está começando na profissão e é o espelho do que já foi um dia Lee.
Os quatro personagens formam um arquétipo do jornalista de guerra, na visão de Garland. Joel é um viciado em notícias, a ponto de ele interromper o “roteiro” de viagem apenas para satisfazer sua vontade sádica de ver um combate no front. Lee (Kirsten Dunst está ótima no papel) é mais consciente de seu papel no mundo: não cabem aos jornalistas julgar os fatos, mas informar para que todos os cidadãos sejam capazes de decidir por conta própria, ensina ela à novata. Mas Jessie é inconsequente, e não menos sedenta por ocupar um espaço profissional que Lee parece querer abandonar, depois de anos testemunhando carnificinas – e seus sonhos dizem isso. Já Sammy assume um tom paternalista, inclusive arriscando a própria vida para proteger o grupo.
A cada cena violenta, demente, despropositada, Garland apresenta não uma reflexão filosófica, aprofundada, e nem mesmo rasteira do que se passa na cabeça dos correspondentes de guerra. O diretor prefere “silenciá-los”, projetando sons aleatórios que nada contribuem para uma compreensão de cada personagem. No meio da viagem, um snipper dialoga com os jornalistas e, de repente, seu colega acerta o alvo (que jamais se saberá quem é) e a única frase que se ouve é “temos uma boa notícia”. Ao despojá-los de ideias, pensamentos, conflitos e dilemas psicológicos, a imagem que Guerra Civil passa são de jornalistas como profissionais abutres, apenas à espera do próximo cadáver. E é, literalmente, o que fará Joel numa cena emblemática no final do filme.
New York Times e Guardian, por exemplo, gostaram do que viram e produziram resenhas favoráveis ao filme Guerra Civil, puramente traçando o paralelo entre a história distópica de Garland com o mundo pós-trumpiano que vive, atualmente, o fantasma do retorno do republicano à Casa Branca. O ator brasileiro Wagner Moura cita a importância do filme para discutir as consequências da polarização desenfreada que ronda não só os Estados Unidos, mas também o Brasil e outras nações. Mas mesmo Moura, que é jornalista formado, e os veículos internacionais parecem não se importar muito para o fato de que jornalistas de guerra estão longe de serem pessoas inescrupulosas que registram a morte de colegas que acabaram de salvar a sua vida e partir para a próxima foto.
Se um filme, como Guerra Civil, precisa distorcer os fatos para vender uma mensagem, adentramos no campo da pura ficção – ou mesmo da desinformação. O jornalismo está cheio de falhas, sem dúvida, mas no longa – que já fez mais de 50 milhões de dólares em bilheterias nas duas primeiras semanas – ele parece ser uma profissão povoada de profissionais desprovidos de ética. Em outras palavras, futuros jornalistas: sejam humanos, empáticos, respeitem a vida e não acreditem em tudo o que vêem na tela grande do cinema.
Guerra Civil. De Alex Garland. Estados Unidos, 2024, 109 minutos.