"Romeu ou Julieta". Single. Capa. Reprodução

Autor de clássicos do carnaval, como “Cabeleira do Zezé” (parceria com Roberto Faissal), “Maria Sapatão” (com Don Carlos, Chacrinha e Leleco Barbosa) e “Mulata Iê Iê Iê”, algumas hoje consideradas também hinos do politicamente incorreto, o pianista e compositor João Roberto Kelly deve voltar às paradas de sucesso neste reinado de Momo.

Kelly, em parceria com o jornalista e escritor Rodrigo Faour, acaba de presentear a cantora Maria Alcina com a marchinha “Romeu ou Julieta”, single já disponível nas plataformas de streaming.

“Ele me deu a parceria porque lhe dei a ideia de fazer uma música falando da ambiguidade sexual da Maria Alcina”, revela, modesto, Rodrigo Faour, autor de A História Sexual da MPB (2006), dos dois volumes de História da Música Popular Brasileira Sem Preconceitos e biógrafo de Angela Maria (1929-2018), Dolores Duran (1930-1959), Cauby Peixoto (1931-2016), Claudette Soares e Leny Eversong (1920-1984).

“Adivinhe quem quiser/ Se sou homem ou mulher/ Eu sou mistura de Romeu com Julieta/ Eu sou a cara do futuro do planeta/ Se você me quiser/ Tem que ser do jeito que eu vier”, diz a letra, antenada com o presente, sem soar artificial ou panfletária, coroando o autor (“a letra é toda dele, eu só dei o mote”, diz Faour), último remanescente da era de ouro em que as marchinhas dominavam o período carnavalesco, sem a invasão de ritmos alienígenas, e desfazendo qualquer eventual mal-entendido.

“Talvez sem se dar conta, Kelly, para além de uma homenagem à Maria Alcina, conseguiu sintetizar que os papéis tradicionais atribuídos a homem e mulher na sociedade contemporânea estão muito mais flexibilizados, fluidos e, mesmo dentro do meio LGBTQIAP+, mas também entre pessoas cis e hétero, as possibilidades são múltiplas, saindo dos estereótipos do passado, com a ascendência dos que se assumem não-binários, ou seja, nem homens nem mulheres”, explica Faour, que atualmente finaliza uma tese de doutorado na PUC-RJ sobre a resistência desta comunidade no Rio de Janeiro.

Maria Alcina tornou-se conhecida na última edição do Festival Internacional da Canção (FIC), em 1972, quando cantou “Fio Maravilha”, de Jorge Benjor (à época Ben). No ano seguinte lançou seu álbum de estreia, que levava simplesmente seu nome.

“Romeu ou Julieta” tem direção musical de Rovilson Pascoal (baixo, cavaquinho e synths), que já havia trabalhado com a cantora nos álbuns De Normal Bastam Os Outros (2013) e Espírito de Tudo (2017). Na faixa, Maria Alcina é acompanhada ainda por Rogério Bastos (percussão), Luan Charles (trompete), Clara Dum (saxofone alto), Matheus Caitano (saxofone tenor) e Gabriel Braga (trombone). O arranjo de sopros é assinado pelo maestro Lincoln Antonio e o coro traz vozes de foliões do Bloco do Água Preta (Anahí Asa, Carlos Zimbher, Edu Marin, Gabriela Leirias, Lincoln Antonio, Natalia Pacheco, Rodrigo Faour e Suzana Salles), do bairro paulistano Pompeia, integrado pelo maestro, que nos últimos anos tem resgatado a tradição das marchinhas inéditas no carnaval. Rovilson Pascoal, Rogério Bastos e Lincoln Antonio assinam o arranjo de base.

“A importância de gravar uma música do Kelly é muito grande porque traz junto tudo que ele representa para a música, o teatro de revista e a TV brasileira. É de uma grandiosidade que não tem tamanho”, entusiasma-se Maria Alcina.

“Essa música veio expressar com muita graça a ambiguidade da minha personalidade. Até hoje as pessoas chegam e me perguntam: ‘Você é homem ou mulher? O que é que você é?’. E eu respondo: ‘Eu sou o que você quiser’”, finaliza.

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Ouça “Romeu ou Julieta”:

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