Gil Brother esfolou as fórmulas da TV

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O comediante Jaime Gil da Costa, o Gil Brother Away

Há figuras do mundo do entretenimento que são absolutamente secundárias mas, ao desaparecerem, causam uma comoção tão surpreendente que parecem sempre terem habitado o centro dos acontecimentos. Acredito que Gil Brother Away, comediante que morreu de câncer nesta segunda-feira, 4, no Rio de Janeiro, aos 66 anos, foi uma dessas figuras. Sua morte derrubou de fato a moçada, é o que constato pelas redes sociais. Gil Brother capturou a imaginação do público com um modesto papel de coadjuvante em uma ainda mais escondida atração da TV, o humorístico Hermes & Renato, na antiga MTV.

Com a manutenção dos seus dreads abandonada ainda na maternidade dos coiffeuses, serial killer de concordâncias verbo-nominais, metralhadora giratória de frases aleatórias, Gil Brother integrou uma trupe de anarquistas brancos, universitários e bem alimentados com as armas da precariedade e do conhecimento sanguíneo dos códigos da rua e de órfão da institucionalidade. Parecia que Gil Brother estava ali justamente para derrubar o roteiro, estraçalhar o texto e injetar um tanto da polifonia das ruas na ordem maniqueísta das audiências.

Particularmente, acho formidáveis os esquetes de Gil atuando como Professor da Faculdade de Direito. Com uma argumentação absolutamente nonsense, escalafobética, sobre os fundamentos das leis, da “cana” e dos rebotes da malandragem, desmontando aos berros o cartesianismo do sistema jurídico (e o pragmatismo inocente dos alunos), Gil pareceu antever o caos jurisprudente que tomaria o Brasil todo nos anos seguintes, a desmontagem das farsas janaínicas que sobrevieram com os golpes todos. É como se Gil dissesse todo o tempo: “A lei, meu amigo, a lei não vai proteger você. A malandragem, talvez”. Chamava os que se acercavam dele, em tietagem, de “pigmeus”, e esfolava a dicção deliberadamente, com palavrões e neologismos incompreensíveis, para se esquivar do aprisionamento. Os magníficos erros de português, no caso dele, não vinham escritos no roteiro.

A primeira vez que se via Gil Brother (cujo nome era Jaime Gil da Costa) na TV era um choque. Misturando gírias de três gerações diferentes, do “morô” da Jovem Guarda aos palavrões do morro do século 21, era como se tivessem acabado de trazer da rua, ali das imediações da Praça do Reservatório, um dos manobristas para fazer o programa. Não era uma impressão facciosa: a história que contam é que trabalhou como vendedor de balas na rua, em Petrópolis (era conhecido também como Away de Petrópolis), Rio, dançando músicas de James Brown e Little Richard, e foi “descoberto” pela equipe da MTV quando lavava carros também na rua. Foi convidado a gravar uma chamada, mas causou tão boa impressão que o trouxeram para atuar em São Paulo.

De um ponto de vista estritamente de esquerda, racional e crítico, é possível afirmar que Gil Brother ocupou um espaço público orbitando naquela definição militante de “folclorização do subdesenvolvimento”, um lugar talvez de segregação social e racial semelhante ao que o finado Tião Macalé foi confinado com seu caco eterno de “nojeeeentoooo”, nos Trapalhões e em outros programas. O berro de Gil Brother, entretanto, continha uma dose de perigo, de advertência, de reivindicação que era imediatamente compreendido, respeitado. Seus bordões não foram domesticados, ele fugia habilmente das embalagens pela capacidade insana de improvisação. “Eu sou o lúcido mais louco da história do trauma do pensamento humano, morô?”, disse.

Há duas formas de se ver o comediante Gil Brother. Pode ser com esse viés extremamente vigilante e moralista de vítima da exploração do subdesenvolvimento, mas pode ser também com os olhos da reverência à possibilidade criativa da anarquia absoluta – e acredito que ele conseguiu se abrigar tranquilamente nesse outro nicho. Gil Brother realizou com êxito, na TV, aquela ambição vanguardista da arte que buscou o acaso e a aleatoriedade. Entretanto, por serem indistinguíveis o ato criador de Gil Brother e sua própria persona humana (distinção que outros heróis negros da dramaturgia, como Grande Otelo, manusearam com sabedoria), ele acabou amargando um desemprego letal no final da vida, já doente. Como sobreviver interpretando a si mesmo o tempo todo? Pigmeu, ficamos todos perplectos…

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