Restaurados em 4K, “Lúcio Flávio” e “Pixote” podem ser assistidos na Netflix

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Cena de "Pixote, A Lei do Mais Fraco". Reprodução
Cena de "Pixote, A Lei do Mais Fraco". Reprodução

“Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia” (1977) e “Pixote, A Lei do Mais Fraco” (1981), duas obras-primas do cinema brasileiro, estão disponíveis no catálogo da Netflix, em versões restauradas em 4K.

Ambos os filmes do argentino-brasileiro Hector Babenco (1946-2016) baseiam-se em livros-reportagem do maranhense José Louzeiro (1932-2017), gênero que ele ajudou a consolidar. Baseados em fatos reais, as obras comprovam a máxima do cineasta francês Jean-Luc Godard (1930-2022), segundo a qual todo filme é um documentário, mesmo as ficções: basta olharmos as paisagens da época, os grandes centros urbanos ainda tomados de cinemas de rua e lojas de discos, ambientes que caíram em desuso mundo afora. Por falar em lojas de discos, as trilhas sonoras do maestro John Neschling para ambos os filmes merecem destaque.

Mas a atualidade das obras (literárias e cinematográficas) reside, também, infelizmente, nos aspectos sociais retratados pela literatura de Louzeiro e pelo cinema de Babenco: pouca coisa mudou no Brasil, desde então.

"Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia". Cartaz. Reprodução
“Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia”. Cartaz. Reprodução

Em “Lúcio Flávio” temos a corrupção policial, com a fundação do esquadrão da morte em plena ditadura militar, a origem das milícias, hoje espraiadas por todo o Brasil, através de relações promíscuas entre a polícia, o narcotráfico, igrejas evangélicas e o poder político.

Lançado há mais de 40 anos, anterior, portanto, à promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (o ECA, Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990), “Pixote” aborda também alguns aspectos da corrupção no seio das polícias, a partir da não-garantia de direitos de crianças e adolescentes, incluindo sua eliminação física quando tornam-se um estorvo maior que o tolerável (e esta tolerância é ditada por policiais autoproclamados juízes).

Outra questão brasileira não superada que comparece às películas é o racismo: é emblemática a fala de Dondinho (Grande Otelo [1915-1993]) em “Lúcio Flávio”: “para a polícia, a gente é o que a polícia quer que a gente seja. Por exemplo, qualquer nego, para a polícia é malandro”. A fala continua atual, com o agravante de que não é só para a polícia, mas também para o outro, de pele mais clara.

“Lúcio Flávio” foi restaurado pela HB Filmes, a partir dos internegativos e interpositivos de imagem 35mm preservados na Cinemateca Brasileira, e faz parte do projeto Memória Hector Babenco. “Pixote” foi restaurado pelo World Cinema Project da The Film Foundation e Cineteca di Bologna na L’Immagine Ritrovata em associação com HB Filmes, Cinemateca Brasileira e JLS Facilitações Sonoras, com financiamento da George Lucas Family Foundation.

O aparecimento duplo do nome da instituição brasileira nos créditos deste processo atesta o quão importante e imprescindível é o fomento estatal para o estímulo à realização e preservação do cinema nacional, algo a que nos desacostumamos a ver durante o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, não por acaso diretamente relacionado a alguns dos problemas sociais abordados pelas obras de Louzeiro e Babenco.

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