"Incompatível Com a Vida". Still. Reprodução

Há mais de 10 anos nenhuma mulher morre por aborto inseguro em Portugal. No Brasil, o número é de uma mulher a cada dois dias. Os dados são revelados pouco antes dos créditos de “Incompatível Com a Vida”, comovente documentário de Eliza Capai, que, a partir de uma experiência própria, entrevista seis mulheres que conviveram com o luto, com reações distintas.

Entre as entrevistadas há as que decidiram levar a gravidez adiante mesmo em caso de fetos com diagnósticos incompatíveis com a vida, como bebês anencéfalos, por exemplo, de onde vem o título.

Com cerca de hora e meia de duração, o documentário se equilibra entre a violência e a doçura, sem descambar para o apelativo ou a pieguice. Qualificado para o Oscar 2024 e vencedor do É Tudo Verdade 2023, “Incompatível Com a Vida”, que estreia hoje (16) nos cinemas brasileiros, reflete também os anos pandêmicos e neofascistas no Brasil.

Em pleno século XXI, o corpo da mulher é território ainda sobre o qual todos acham que podem opinar e não faltam exemplos desastrosos, em anos recentes, de violência repisada contra quem, por este ou aquele motivo, precisa recorrer à interrupção da gravidez, mesmo nos casos previstos pela legislação brasileira. Impossível esquecer o episódio, relembrado pelo filme, em que a ministra Damares Alves, do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, foi bloquear o acesso a um hospital, ladeada de políticos putrefatos e fanáticos religiosos para impedir o aborto de uma criança cuja gravidez decorria de um estupro. Bizarro, para dizer o mínimo.

A morte é a única certeza de qualquer um de nós, mas o assunto e o luto ainda são temas tabus em nossa sociedade, o que se agrava quando se trata da morte de um bebê ou, antes, um feto. O conservadorismo vigente, o avanço do neopentecostalismo e o retrocesso político no qual o Brasil mergulhou durante o último mandato presidencial conseguem tornar tudo ainda mais confuso e difícil de lidar.

Com o título “Dear Supreme Court of Brazil, Use Your Power to Protect Women” (“Querido STF, Use Seu Poder Para Proteger As Mulheres”), “Incompatível Com a Vida” teve uma versão curta-metragem veiculada pelo jornal The New York Times como artigo de opinião no último dia 26 de setembro.

Eliza Capai é documentarista experimentada em temas como gênero e sociedade. “Incompatível Com a Vida” surge quase que por acaso, a partir da experiência da diretora em filmar a própria gravidez, até o diagnóstico de uma malformação no feto, o que a levou a tentar um aborto seguro em um país em que a legislação o permite – o que acabou acontecendo em Portugal. Com coragem, ela levou sua dor ao diálogo com as dores de outras mulheres e realizou um filme que ajuda a pensar diversas questões que, de tão urgentes, já deveriam estar superadas.

"Incompatível Com a Vida". Cartaz. Reprodução
“Incompatível Com a Vida”. Cartaz. Reprodução

Serviço: “Incompatível Com a Vida” (documentário, Brasil, 92 minutos, classificação indicativa: 14 anos), de Eliza Capai. Estreia hoje (16) nos cinemas brasileiros. Também estreia hoje “Vai e Vem”, de Chica Barbosa e Fernanda Pessoa (leia aqui).

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Veja o trailer de “Incompatível Com a Vida”:

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