Quinteto Armorial e o lugar de Pernambuco na música nacional

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O jovem Antonio José Madureira na casa de Ariano Suassuna, no início dos anos 1970 - foto Acervo Fundação Joaquim Nabuco/Ministério da Educação

Aos 73 anos, o compositor, violonista e arranjador potiguar Antonio José Madureira começa a ser estudado com rigor na série de livros Antonio Madureira Armorial – Histórias e Partituras, com pesquisa e texto histórico do músico e compositor Francisco Andrade, mestre em culturas e identidades brasileiras pela USP. O primeiro de três volumes programados focaliza especificamente Do Romance ao Galope Nordestino (1974), o primeiro álbum do Quinteto Armorial, que deu forma musical ao movimento cultural e ideológico capitaneado pelo dramaturgo, filósofo e multiartista paraibano Ariano Suassuna (1927-2014).

Os dois próximos volumes retratarão o restante da concisa discografia do Quinteto Armorial, completada por Aralume (1976), Quinteto Armorial (1978) e Sete Flechas (1980), e pelos dois álbuns do Quarteto Romançal, liderado por Antonio Madureira em fase posterior: Romançal (1997) e Tríptico – No Reino da Ave dos Três Punhais (1999).

Justaposição entre música erudita e o universo de tradições populares nordestinas, a música armorial floresceu nos anos 1970, em Pernambuco, desde logo bipartida em duas frentes, a do Quinteto Armorial de Madureira e a da Orquestra Armorial, sob liderança do maestro potiguar Cussy de Almeida. A orquestra estava presente já no ato de lançamento oficial do Movimento Armorial, em 18 de outubro de 1970. Nas duas frentes, sob inspiração do modernismo de 1922, se comunicavam e se acasalavam música europeia barroca e medieval, repente, literatura de cordel, xilogravura, bandas de pífanos e rabecas e violas, cantos de incelença, folguedos nordestinos como frevo, maracatu, caboclinhos…

Francisco Andrade traz a voz de Antonio Madureira para tecer definições e diretrizes estéticas do movimento mais-que-musical: “O Brasil, esse continente cultural, talvez tenha uma das culturas mais antigas do mundo. São os povos ameríndios, tem a África aqui dentro, e tem a Península Ibérica, tem os mouros, tem toda a história ocidental vindo com os portugueses”. O artista arremata, em palavras de 2020: “Como dizia Ariano, ‘se permitirem, um dia o Brasil irá iluminar o mundo’. Eu digo: por enquanto, estamos iluminando as trevas com o fogo das nossas matas”.

Madureira vinha de vivências na Escola de Belas Artes de Pernambuco, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e no Teatro Popular do Nordeste (TPN), fundado, entre outros, por Suassuna e por Capiba, mestre inventor do frevo. O Quinteto Armorial surgiria, em parte, de atritos conceituais entre a Orquestra Armorial e Suassuna, que queria pífanos, rabecas, violas sertanejas e zabumbas onde se ouviam flautas transversais, violinos, violoncelos, violas de arco e bateria.

Mais próximo dos ideais de Suassuna, o Quinteto Armorial foi formado por Madureira (viola nordestina), Jarbas Maciel (viola de arco), José Tavares de Amorim (flauta transversal), o paraibano Edilson Cabral (violão), o recifense Antonio Nóbrega (violino e rabeca). Maciel e Amorim duraram pouco no quinteto: dando preferência à orquestra, foram substituídos pelos alagoanos Fernando Torres Barbosa (marimbau) e Egildo Vieira do Nascimento (pífano e flauta).

Antonio Nóbrega, então com 18 anos, ficaria célebre nos anos 1990 pelas artes e folguedos de seu teatro musical Brincante. É dele a voz da única gravação cantada do Quinteto Armorial, em “Martelo Agalopado” (1980), assinado por ele em dupla com Suassuna.

“Repente”, uma das composições inaugurais de Madureira (então com 21 anos), foi concebida para duas flautas, dois violinos, viola de arco, violoncelo e contrabaixo, e assim aparece no primeiro LP Orquestra Armorial, de 1975. Mas transformou-se até o lançamento do disco de estreia do Quinteto Armorial, Do Romance ao Galope Nordestino (anterior portanto ao primeiro LP da orquestra), onde surge tocada por marimbau, viola nordestina, violão, flauta e violino.

Nesse primeiro LP, Madureira assina ainda “Revoada”, “Toada e Dobrado de Cavalhada” e a indígena “Toré”, além de recriar o romance ibérico do século 16 “Romance da Bela Infanta”, o canto fúnebre nordestino “Excelência” e o romance nordestino do século 19 “Romance de Minerva”. O repertório se completa com “Ponteio Acutilado” e “Rasga”, de Antonio Nóbrega; “Bendito”, de Egildo Vieira; “Mourão”, do maestro Guerra Peixe; e “Toada e Desafio”, de Capiba. Apenas as partituras das criações e recriações de Madureira estão transcritas no livro Antonio Madureira Armorial.

Madureira em 2016 – foto Kika Antunes

Em seu texto, Francisco Andrade expõe implicações do Movimento Armorial, e em especial do Quinteto Armorial, para a futura música nordestina e brasileira: “Em nosso tempo, o século 21, é possível encontrar instrumentistas que se apresentam em salas de concerto tocando berimbau, marimbau, pandeiro, pífanos, rabeca, viola brasileira e violão. No Brasil dos anos 1970, isso era muito pouco aceito. (…) Predominavam uma visão romântica e uma retórica importada que pouca conexão tinham com a realidade cultural da tradição oral brasileira, marcada por vozes e pelo tempo de um processo colonizador”.

Implicação adicional é a que une, por linhas tortas, a erudição popular do movimento armorial e a popularidade erudita da geração de Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Quinteto Violado etc. “Movimentos como o Armorial, o Clube da Esquina e o Pessoal do Ceará são exemplos desse mosaico criativo que se formava fora dos cânones de difusão da cultura brasileira pelo eixo Rio-São Paulo”, escreve. Tendo Pernambuco por epicentro, a contribuição nordestina para a música brasileira clama por ser mais bem compreendida e esmiuçada.

Antonio Madeureira Armorial – Histórias e Partituras 1 – Do Romance ao Galope Nordestino”, Çarê Música/Letra da Cidade, 154 pág., R$ 80

(Leia aqui sobre a MPB pernambucana de Alceu Valença.)

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