Um novo capítulo da música artesanal de Luhli & Lucina

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No ano de 2018, enquanto o fascismo escalava no Brasil, Luhli morreu e Lucina ficou doente do coração. Recuperando-se de uma cirurgia cardíaca, a metade sobrevivente da matricial dupla musical Luli & Lucina decidiu honrar a memória da parceira e revisitar um opulento baú de composições inéditas da duas, na concepção das 13 faixas de Nave em Movimento – A Música Artesanal de Luli e Lucina. O álbum chega às plataformas digitais nesta segunda-feira, 19, o dia em que a carioca Luhli (1945-2018) completaria 78 anos. “Eu sofri para fazer. Já tava sofrendo antes, estava mesmo. Queria muito fazer essa homenagem. Mas como fazer um negócio sendo eu solo, sem forçar, sem querer virar Luhli & Lucina?”, conta e indaga-se a cantora e compositora matogrossense criada paraense.

O nome Nave em Movimento foi recolhido de canção homônima inédita composta em Paris, em 1994, pela dupla, cuja experiência artística e extra-artística centrava-se num trio com o fotógrafo Luiz Fernando Borges da Fonseca (1941-1990), autor de capas clássicas para álbuns de Ney Matogrosso, desde os Secos & Molhados um difusor dedicado da música de Luhli & Lucina. O relicário resgatado do ineditismo por Lucina abrange um arco que vem do início dos anos 1970 (casos de “Na Noite de um Amanhã” e “9.16”, por exemplo) e chega até à última composição criada em dupla, “Na Primeira Brisa”, em 2017, que aqui conta com vocais de Júlia Borges, uma das duas filhas geradas por Luhli e Luiz Fernando entre 1974 e 1976 (com Lucina, ele teve dois meninos gêmeos, nascidos em 1980). Como se percebe, mesmo nas duas décadas depois da dissolução da dupla, elas não deixaram de compor juntas.

“Não abrace a sombra de um amigo triste/ faça como aos pássaros/ lhe dê alpiste/ e o veja voar na primeira brisa da manhã”, diz a letra melancólica e generosa que marcaria a despedida de Luhli, típica de sua poética natural e da música uterina da dupla. O canto de Júlia & Lucina parece reavivar Luhli & Lucina, mesmo na ausência da primeira: “Compartilhar a dor não é ser amigo/ não é de espinhos que você precisa/ cultivar o porvir com rosas e romance/ e hortelãs/ ouvi dizer de uma janela/ onde se pode debruçar na solidão/ mas se não há paredes lá/ é só estender-se em luz/ e se encontrar”.

Lucina identifica em outra canção, “Tudo É Já”, datada de 2015, outras palavras de despedida da parceira: “A sensação que tenho é que ela chegou e disse ‘vim para desmanchar aquele nó’. Olha os verbos que ela usou, ‘pra germinar todo esse mar’, ‘pra desmanchar o que engessou’, ‘pra te dizer que tudo é já/ pois amanhã o que hoje eu sou já não serei/ mas hoje eu sei’. Me dá um negócio, um nó no peito, tenho um ataque de loucura com essa música, é linda de matar”.

Apenas duas das 13 faixas não são 100% inéditas. A própria Luhli havia gravado “Banquete” num disco pouquíssimo conhecido de 2006. E “Misturada Cabana” foi lançada em 1991 num CD do terceiro co-autor, o paraense Joãozinho Gomes.

A equipe musical coesa de Nave em Movimento inclui, além de Júlia Borges, participações especiais de Zélia Duncan, tributária vocal de Lucina que canta em “Barra Leblon” e recita versos de “9.16”, e do poeta arrudA, recitando seu próprio poema “Lugares São Pousos” na canção de encerramento, “Na Noite de um Amanhã”. Em faixas como “Tocandar Toca Viajar” (“meu corpo é minha casa/ o mundo é uma estrada/ meu canto é minha asa/ e tocandar, toca viajar”) e “Misturada Cabana”, Lucina dobra, triplica e multiplica a própria voz, como a criar duplas, trios e tribos de Lucina & Lucina para mulheragear Luhli e preencher o vazio deixado por ela.

A sonoridade se assenta no núcleo formado por Marcelo Dworecki (baixo e violão de aço), Otávio Ortega (piano, acordeom) e Peri Pane (cello), mas uma ampla gama de instrumentistas convidados, pertencentes a várias gerações, se soma à voz, ao violão e aos tambores de Lucina: Jaime Alem (no violão de “Misturada Cabana”), Jorge Mathias (baixo na mesma faixa), Curumin (bateria em “9.16”), Marcelo Caldi (acordeom), Elione Medeiros (fagote para a letra lancinante de “Banquete”, sob arranjo de Jessé Sadoc), Murilo O’Reilly (percussão eletrônica e percussão orgânica em “É Tudo Um”), Bruno Aguilar (baixo acústico em “Luta É Todo Dia” e “Na Primeira Brisa), Maurício Cajueiro (guitarra em “9.16”), Wallace Cardia (guitarras em “Barra Leblon”), Gustavo Cabelo (guitarras em “Nave em Movimento”) e Patricia Ferraz (também companheira de Lucina e produtora do álbum, nos efeitos percussivos de “Tempo Tapuia” e no arranjo de “Na Noite de um Amanhã”).

Ney Marques, que toca mandolim em “Tocandar Toca Viajar” e guitarras em “Barra Leblon”, e Décio Gioieli, na flauta africana e na percussão de “Mãe Terra” e no violão de “Misturada Cabana”, são os únicos instrumentistas remanescentes dos tempos de Luli & Lucina.

Há, por fim, a participação póstuma de Luiz Fernando Borges da Fonseca, autor da foto que ilustra a bela e eloquente capa de Nave em Movimento. Ali aparecem duas Lucinas e, pelo espelho, a Luhli dos tempos em que a dupla fazia, por dentro, a revolução comportamental, sexual e musical que Ney Matogrosso exteriorizava transformando composições sutis da dupla feminina em sucessos inesquecíveis. São assinadas por elas, por exemplo, “Pedra de Rio” (1975), “Bandolero” (1978), “Coração Aprisionado” (1980) e “Eta Nóis” (1984). Ao honrar a companheira, Lucina optou por arranjos e interpretações solares, transformando Nave em Movimento em um pequeno oásis, um pequeno grito de alegria e de vida nascido em tempos para lá de sombrios.

Abaixo, em entrevista a FAROFAFÁ, Lucina comenta Nave em Movimento faixa a faixa, contando circunstâncias e histórias sobre as composições. “Foi delicado mexer nesse baú. Não é fácil”, conclui Lucina.

É Tudo Um” (Lucina-Luhli), que abre o álbum evocando a atmosfera ritual da “Gira das Ervas” (1982): “Essa música foi feita no início dos anos 1990. É uma típica Luhli & Lucina, música minha e letra da Luhli. Essa leitura mais África veio agora, ela era um pouquinho mais nordestina. Tem uma letra grande, eu queria muito que essa letra ficasse sendo ouvida. Luhli coloca um Brasil tão bonito de ritmos, e da maneira como Murilo fez o arranjo os elementos estão todos ali, vão entrando, se conjugando e mudando até a hora em que fica tudo um mesmo e vem a melodia, congrega tudo e vai”.

Luta É Dia a Dia” (Lucina-Luhli), de versos que se comunicam com a “fera à solta” de “Coração Aprisionado” (1979) – “Essa música é do final dos anos 1970, foi feita em Mangaratiba (o sítio em que viveu o trisal Luhli-Lucina-Luiz Fernando, nos tempos dos LPs fundadores Luli & Lucinha, de 1979, e Amor de Mulher – Yorimatã, de 1982). ‘Coração Aprisionado’ foi mais ou menos ao mesmo tempo. Sinto que ela é densa, uma das mais densas. Sempre foi densa, densíssima. A gente sempre teve um carinho especial por essa música, mas era muito difícil de cantar, de tudo, e acabou não sendo gravada. A gente quis gravar, acabou não gravando e foi seguindo, seguindo. Ela sempre pesava, tinha uma densidade que era além, ou talvez a gente não conseguisse atenuar essa densidade, o que Marcelo Caldi conseguiu com o acordeom. O baixo acústico de Bruno Aguilar entra numa onda totalmente jazzística, vai dividindo. O que mais me chama nessa música é a extrema densidade que ela tem, essa conotação da consciência da gente do corpo, dos nossos humores, dos nossos líquidos, do sangue, da água, tudo mexendo numa grande usina que se solta e consegue atenuar esse barato todo com a arte”.

Luhli, Ney e Lucina cantam “Eta Nóis” no programa musical de Rolando Boldrin, em 2005

Tocandar Toca Viajar” (Lucina-Luhli), prima da moda caipira “Eta Nóis” (1984), também gravada em trio por Luhli, Ney e Lucina – “Foi feita justamente depois de ‘Eta Nóis’, na época em que descobri a viola caipira. Fiquei doida, comecei a fazer tudo na viola caipira. E, quando não era feito na viola, estava com o espírito tão forte da viola, que veio ‘Eta Nóis’ e em seguida entrou ‘Tocandar’. Foi uma música de show, era a cara da dupla mesmo. Ney Marques está tocando mandolim – não é bandolim, tem um outro som, mais agudo. A letra é de Luhli, é uma música para cima, vamos para a estrada, gente. Nave em Movimento é um disco para cima”.

Mãe Terra” (Lucina-Luhli), mais um tema ritual (e vibrante) de tambor, na linhagem de “Gira das Ervas” – “Essa é bem antiga, anos 1970, letra das duas. A gente fez cantando e tocando tambor, nunca teve harmonia. Foi feita em Mangaratiba ainda. A gravação é um delírio meu comigo mesma, porque só tem uma participação, do Décio, fazendo a flauta africana, e o resto eu fui dobrando nos tambores”.

Tempo Tapuia” (Lucina-Luhli) – “Essa é bem recente, 2010, sobre assuntos importantíssimos, a questão dos indígenas. A gente sempre foi envolvida de alguma maneira com causas ecológicas, passamos a vida cantando pelas águas do planeta, pela não radiação, pelas matas, a favor de todas as minorias, sempre nessa onda. Quando Luhli ouviu a melodia, na mesma hora já saiu com uma coisa do tapuia, dos indígenas, que eu não tinha pensado exatamente. Ela achou que a levada tinha alguma coisa de floresta. É muito inédita, a gente nunca chegou a cantar, foi na época que a gente já tinha se separado em termos de dupla. Mas a dupla sempre existiu, a gente continuou fazendo música.

“Essa gravação a gente fez no estúdio do Otávio, na Serra da Mantiqueira, em Monteiro Lobato (no interior paulista). Lá não tem nenhum isolamento acústico, então se cachorro latiu a gente para de gravar. Mas nesse caso deixamos. Já era noitinha quando estávamos acabando de gravar, e deixamos entrar todos os sons, grilos e tudo que estava em volta. Então existe essa ambiência fortíssima o tempo todo, da mata. Essa foi uma das primeiras que gravei, e todos esses efeitos vocais vieram com uma força, não pensei em nada, simplesmente deixei a minha boca abrir. Toda a parte vocal foi feita num dia só, depois Otávio colocou o piano e a sanfona que queríamos e Pat fez os efeitos de percussão, o voo de pássaro, com uma capa de chuva”.

Tudo É Já” (Lucina-Luhli), a faixa menos ensolarada de um álbum ensolarado por excelência, na qual os versos de Luhli ecoam a retórica de “Fala” (1973), que ela compôs com João Ricardo para os Secos & Molhados – “Acho essa melodia superlinda. É um caminho musical. É recente, de 2015. Luhli foi me visitar em casa, eu estava apaixonada pelo tema, mostrei para ela e foi daquelas coisas Luhli & Lucina para caramba. Ela escutou uma vez, pegou o papel e fez. Fico muito mexida com essa música, porque o que ela diz é muito foda. A sensação que tenho é que Luhli chegou e disse: vim para desmanchar aquele nó. Olha os verbos que ela usou, ‘pra germinar todo esse mar’, ‘pra deslanchar o que engessou’, (recita) ‘pra te dizer/ que tudo é já/ pois amanhã/ o que hoje eu sou/ já não serei/ mas hoje eu sei’. Me dá um negócio, um nó no peito, tenho um ataque de loucura com essa música, é linda de matar.

“Luhli deixou o recado dela, estou fazendo para ela, mas esse recado é dela, essa fala é da Luhli. Eu quis deixar assim mesmo, só voz e violão e mais nada. Ela vinha dizendo umas coisas que a gente ouvia e falava opa!, ela tinha consciência de que estava indo embora. Na verdade, a gente não sabe como Luhli conseguiu sobreviver tantos anos. Ela estava fodida já tinha muito tempo, mas a gente não sabia o grau. O que ela conseguiu fazer nesse estágio foi inacreditável. Nesse caso é como se ela estivesse perdoando tudo, é tão bonito”.

Nave em Movimento” (Lucina-Luhli) – “A letra dessa é minha, e no final tem Júlia me ajudando nos vocais. Fizemos quando fomos para Paris pela primeira vez, em 1994. Depois voltei e fiz meu primeiro disco solo. Quando cheguei em Paris, mil planos, só que estava outono, e quando fui dar uma voltinha e cheguei na esquina, veio um vento, um negócio. O vento me mordeu, saí correndo louca, não quero saber, não quero conhecer Paris, não quero ver a torre Eiffel, não quero nada, vou ficar aqui dentro. Fiquei lá e escrevi. Por isso falo ‘Paris não me viu/ só o frio me notou e me mordeu no contato imediato da era glacial’. Luhli chegou, achou graça daquele negócio e fez a música.

“Essa é invertida, a música é da Luhli. Luiz já tinha morrido. Quando ele ficou muito doente e a gente voltou para Mangaratiba, Luhli resolveu, ao invés de voltar, pegar as meninas, que já estavam adolescentes, e ficar na casa da mãe dela no Rio. Deu uma desculpa, na verdade, de que não tinha escola direito para as meninas lá. E resolveu terminar com a tribo nesse momento, nesse movimento. Não decretou nada, simplesmente foi para a casa da mãe. Os meninos tinham oito ou nove anos, tinham um pai fodido, mas tinham um pai, então voltei para Mangaratiba e fiquei com Luiz lá. Tinha um revezamento. Ela vinha, ficava lá, e eu ia para o Rio dar aula, porque a gente não tinha de onde tirar dinheiro. Aí voltava, a gente fazia esse ir e vir. Então, na verdade, a dupla ficou dupla e a tribo se esgarçou. Não era mais um trisal. Luiz foi perdendo a energia, a energia dele estava toda focada em sobreviver. Sentia tanta dor que eram poucos os momentos que não tinha dor. Foi um período muito triste, um tempão. Ele estava com 49 anos. E foi assim que a tribo acabou, sem rupturas formais.

“Realmente a gente estava ali, mas não estava, só que a dupla continuava, e continuou aos trancos e barrancos. E essa música foi feita em Paris e ficou inédita, a gente nunca cantou. É a nossa nave, ‘a gente segue longe ou perto/ acelerados ou lentos/ inconscientes e atentos/ partículas dessa imensa nave em movimento'”.

Banquete” (Lucina-Luhli) – “É dos anos 1990. Tem os passarinhos, todos nativos da gravação. Essa letra da Luhli é de pirar o coco, é ‘Banquete’ porque é a criação do mundo. Primeiro vêm as flores, as frutas, depois os pássaros, os bichos de pelo e escama, e finalmente se faz o homem. E lá no sétimo dia tem o banquete geral, a celebração. Essa não é inédita, mas a versão da Luhli era completamente diferente da minha”.

Na Primeira Brisa” (Lucina-Luhli) – “É linda a voz da Júlia. Foi a última música que fiz com Luhli, em 2017. Música minha, letra da Luhli. Diz que compartilhar a dor não é ser amigo, porque não é de espinhos que você precisa. Compartilhar a dor, você pegar a dor para você, não é ser amigo. É não pegar os espinhos. É uma coisa que ninguém diz. Você é meu amigo, vou pegar sua dor para mim? Não é, você não merece pegar aquela dor toda. Vale para o amor também, não só para a amizade. De qualquer maneira, por que pegar os espinhos para a gente? Quando fizemos isso, falei ‘nossa, Luhli’. Mas eu conhecia ela muito bem, entendo muito bem isso que está dizendo”.

9.16” (Lucina-Luhli) – “Tive uma super-amiga, ela já morreu, uma pessoa muito incrível, que lá nos anos 1970 tinha um relógio que ficava parado. Era uma figuraça. Ela botava em 9:16 porque achava que era uma hora ótima. Por que é 9:16? Não tem porquê, só porque ela achava que era o máximo. Essa aí é de 1973 ou 1974, é muito antiga, um pouco depois do compacto duplo (Flor Lilás, 1972). A música é minha, a letra é das duas. Era muito jovem, aquelas coisas de coração aprisionado”.

Barra Leblon” (Lucina-Luhli), “tchau e psiu/ tudo rolou, ninguém viu” diz a letra cantada em duo com Zélia Duncan – “Essa é de final dos anos 1980. A gente cantou tanto essa música em show. Tudo rolou (risos)! No começo, quando conheci Luhli e Luiz, a gente ficou amigo anos. Mas quando rolou a tribo mesmo, quando rolou o amor profundo, com os três, a gente se mudou para o Tambá. O Tambá é naquele morro de São Conrado, indo para São Conrado, no Rio, onde tem o Vidigal. Para subir o Vidigal, se você entrar pra direita, tem o morro do Tambá. Tinha umas casas e em cima já começava a favela a rolar legal, mas era uma favela tranquila. E o lugar era deslumbrante, uma vista pro mar, até Ipanema, que era um negócio de doido, uma casa fantástica, parecia um ninho de passarinho. Foi ali que a gente ficou uns anos antes de ir embora para Magaratiba. Tinha mais árvores, era casa. Era no urbano e não era, porque, se você descia, estava no urbano. E quando descia e ia de ônibus, pegava o famoso Barra-Leblon. No trajeto Barra-Leblon, o por do sol é na contramão, então é isso. E realmente rolou muita coisa naquela casa, era uma loucura. Foi uma época de muito LSD, muitas viagens de ácido, muito bom. A letra é dela, típica”.

Misturada Cabana” (Lucina-Luhli-Joãozinho Gomes) – “É a triceria com Joãozinho Gomes, Letra de João e música da gente. ‘Misturada Cabana’ foi a revolta dos cabanos, dos negros que vieram para o Pará. É a louvação a esses negros. Ele é paraense, essa linguagem é de João puro, os tambores do candomblé. Rola uma umbanda, na verdade um candomblé. ‘Essa mistura de gueto com mato, quilombo e paixão’, ‘no timbre quimbembe os quimbundos’, ‘os que rumbam e os que mambam’, ‘as que bumbam e as que bambam’, ‘eta, sagrado amuleto de todos os bandos’. É difícil para caramba de cantar, ‘é nessa terra que eu quero firmar nosso canto/ e que os tambores retumbem num toque angolano’, é bonito demais. Essa é anos 1980”.

Na Noite de um Amanhã” (Lucina-Luhli-Mário Avelar). “Essa é uma triceria com nosso querido parceiro Mário Avelar. A gente quase fez com ele um trio, quando começamos a cantar – trio de cantar, até namorei com Mário, mas ele casou com a minha irmã (risos). A história com Mário é muito engraçada. Quando minha família se mudou de Belém para o Rio, para Copacabana, eu tinha uns 10 ou 12 anos, e via no prédio na frente dois irmãos que eu achava engraçados, um irmão e uma irmã. Eles eram iguais, um parecia que era o outro de saia, sabe? Gente, esse menino parece o Piupiu, sabe aquele passarinho, ‘acho que vi um gatinho’? Mirradinho, tinha uma cara de Piupiu danada. E ela também, igualzinha ao Piupiu.

“Bom, passou o tempo, conheci Luhli e Luiz, fomos fazer um festival, Sem Caretas e ao Sol, em Três Corações, Minas Gerais. Um puta som, todo mundo doidão, gente para caramba, aquela coisa toda ao ar livre, e a gente com pinturas psicodélicas e coisa e tal, a gente arrasou, foi uma maravilha. E quando acabou o show tinha um menino que chegou perto, com um bigodão, todo bonitinho, com o cabelinho comprido. Falou: ‘Adorei a apresentação, vocês são demais. E eu te conheço há muitos anos. Eu morava em frente ao seu apartamento’ (risos). Depois é melhor ainda, ele falou: ‘Eu era louco por você, era apaixonado por você, ficava tentando te ver da janela’. Gente, ficamos amigos, amicíssimos. Ficamos mais tempo lá em Três Corações, voltamos várias vezes para o sítio do pai dele, tomamos banho de cachoeira. E viramos parceiros.

“Eu não tava fazendo nada, ele também, começamos a dar uma namoradinha, como quem não quer nada. Aí que virou amizade mesmo, acabou. Eu, ele e Luhli já tínhamos tanta música juntos, essa foi a época que Roberto Menescal quis nos gravar e fazer um trabalho infantil com a gente. Ele achou que o que a gente tocava valia um trabalho infantil. E Luhli falou ‘não quero, não vou ser Doris Day‘. Burra, e eu burra junto, a burra 2 (risos). A besta não quis, e eu fui junto, então vou dizer que é burra e burra e meia, tá (risos)? O final da história é que a gente não ficou famosa como poderíamos. Esse trabalho a gente até gravou. Tenho esse trabalho gravado, algumas músicas, que são bem legais.

“‘Na Noite de um Amanhã’ não tem nada a ver com o trabalho infantil, é a música mais antiga de todas nesse disco. E é uma música que eu quis gravar esses anos todos, e não coube, e agora aqui temos. O nome dela teve que mudar, porque era ‘Lembra Amor’, te em 400 ‘Lembra Amor’ por aí.

“A gente simplesmente estava num domingo tocando, os três, no Tambá, antes de Mangaratiba. E aí começou a rolar essa letra, começou a rolar um som. A letra é de todo mundo e a música é de todo mundo, mas a maior parte é a letra do Mário. Mas é bem a cara da Luhli, ‘abri os braços enchendo de abraços a tarde estival/ tudo tão normal’. Foi uma coisa inteiramente a três mesmo, letra e música. Essa é a música bolinha, que está toda enroladinha dentro dela mesma e é de três pessoas, você não consegue tirar mais um nem outro. Essa é a síntese da nossa amizade.

“E aí chamei arrudA, é a voz dele no poema. Ele também tinha uma parceria com a Lully, era muito fã da Luhli, e ela adorava os poemas dele. Falou pra ele: ‘Tem esse pedacinho aqui que eu queria que você colocasse um poema’. Ele sacou esse poema, que é lindo demais, ‘lugares são pousos’. O arranjo é da Pat, foi ela que pensou essa coisa de entradas e saídas dos meninos”.

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