O pianista, compositor e educador Ahmad Jamal, que morreu no domingo, 16, aos 92 anos

“Por que eu estudei Beethoven? Por que eu estudei Mozart? Eu ouço com a mente aberta todo tipo de música, desde que seja boa. O que fez a música de Oscar Peterson famosa? Foi uma canção pop, Tenderly. O que tornou Coleman Hawkins famoso? Body and Soul. O que nós fizemos, Art Tatum, John Coltrane, Oscar Peterson ou Dizzy Gillespie, foi gravar algo do american songbook. Louis Armstrong gestou a música clássica que nós chamamos de jazz, mas o que o tornou conhecido foi a canção Hello, Dolly e What a Wonderful World. Você não pode limitar a si mesmo. Músicos têm um vasto repertório. Eu era criança e ouvia Count Basie, Benny Goodman, as big bands. Fui adolescente ouvindo Charlie Parker. Hoje ouço a eletrônica. Vivi todas as eras musicais, posso tocar muitas coisas e escolher as que tiveram algum significado para mim. Como um jornalista deve ter lido Émile Zola, Ernest Hemingway“.

A resposta do pianista, compositor e educador Ahmad Jamal à pergunta sobre o grande leque de escolhas de seu repertório, que ia de trilha de filme noir aos musicais da Broadway, foi dada em uma entrevista em 2014, quando ele veio ao Brasil com seu quarteto para o BMW Jazz Festival, no HSBC Brasil, em São Paulo. Durante sete décadas, o pianista Jamal espalhou por seus discos e apresentações um notável senso de integração entre o instrumento e o instrumentista, afirmando um estilo único, uma maestria em assimilar os silêncios às peças que tocava e influenciando mestres como ele, a exemplo de Herbie Hancock e Keith Jarrett.

Ahmad Jamal morreu neste domingo em Ashley Falls, Massachusetts, aos 92 anos, de câncer de próstata. Sua importância era imensa para todo o universo do jazz. “Ahmad Jamal foi alguém que sempre me deixou completamente siderado”, declarou o premiado contrabaixista Christian McBride. “Numerosas vezes eu me vi diante dele em uma grande sala e nunca tive a coragem de lhe dizer alô. Sua vibração era apenas soberana. Obrigado, senhor Jamal, por toda a música que nos deu”.

Nascido Frederick Russell Jones em Pittsburgh em 2 de julho de 1930, ele se iniciou no piano muito pequeno ainda, com apenas 3 anos. Após sua conversão da igreja Batista ao islamismo, em 1950, ele costumava vetar que lhe fizessem perguntas sobre seu nome anterior ou seus apelidos (chamavam-no de Fritz na juventude). Mas costumava atribuir à cidade de origem sua particularidade como músico.

“Todos os músicos vêm de algum lugar do mundo, com uma personalidade que influencia o mundo todo. É o caso da bossa nova de Tom Jobim. Eu venho de uma cidade que produziu músicos que influenciaram o mundo todo. Quando eu era criança, era Billy Strayhorn, que compôs a mais famosa canção de Duke Ellington, Take the A Train. E Lush Life. E muitas outras. Um grande baixista, Ray Brown, veio de minha cidade. E um grande baterista, Art Blakey, veio de Pittsburgh. Um grande pianista, Earl Wild. Um grande artista, Andy Warhol. Um famoso dançarino, Gene Kelly. Posso dar dezenas de nomes. Há industriais famosos. Sabe o catchup? É de Pittsburg. Todos são diferentes, mas todos têm seu próprio som. Ninguém toca como eu, e eu não toco como ninguém. Miles veio de Saint Louis, que produziu muitos músicos. Certas cidades produzem fenômenos, e isso foi o que Miles ouviu em mim, algo diferente”.

Ahmad Jamal tocou em São Paulo também em 2010, quando veio ao Bridgestone Music Festival no antigo Palace (então chamado de Citibank Hall), acompanhado de um quarteto: o baterista Herlin Riley (que tocava com a cantora Cassandra Wilson), o baixista James Cammack e o percussionista Manolo Badrena. Sua música teve dois gigantes admiradores, nos anos 1950, que ajudaram a catapultar o culto em torno de sua arte: o trompetista Miles Davis (1926-1991) e a pianista e cantora Shirley Horn (1934-2005). Ao formar seu primeiro trio, em 1951, já parecia ter nascido livre das influências mais óbvias da época, em torno das quais tudo gravitava, como o onipresente Bud Powell. Imprimiu uma personalidade em versões de de standards como Love for Sale (Cole Porter), But Not For Me (George Gershwin) e Poinciana (Nat Simon), que se tornou um de seus maiores sucessos.

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