O Cine Café Fellini estava cheio, mas a sessão do belo filme Aftersun, da diretora Charlotte Wells, tinha público rarefeito. Esse é mais ou menos o paradoxo no qual se veem hoje os cinemas de rua: todos os amam, mas quantos os frequentam ainda? José Monteiro, há 19 anos trabalhando como porteiro das salas 4 e 5 do anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta, lembrou com alegria do tempo em que controlou filas que viravam a esquina da rua de baixo. “Era uma loucura, não se via o fim da fila”, contou. “Mas o cinema perdeu muito público, especialmente depois da pandemia”, diz o porteiro. “As estreias mesmo eram do lado de lá da rua, lá ficavam os famosos; mas, no fim, os filmes vinham todos para cá”, contou, recolhendo os últimos tickets.
Esta noite de quarta-feira, 15 de fevereiro, marcou o último dia de funcionamento comercial do aconchegante Espaço Itaú da Rua Augusta, que funcionou durante 28 anos exibindo o fino do cinema internacional na região da Consolação (o cinema principal está em atividade há 30 anos, do outro lado da rua). Via-se um esforço de documentação dos últimos momentos, como se as pessoas estivessem buscando se despedir de um velho amigo que se vai. Esse ritual chegará ao paroxismo nesta noite de quinta-feira, às 21 horas, quando será exibido, para convidados, o documentário A última floresta, de Luis Bolognesi, vencedor do prêmio do público no Festival de Berlim. Será o ato do fechamento cerimonial das cortinas. Ou não.
No jardim entre o café e as salas de exibição, o diretor dos cinemas Itaú, Adhemar de Oliveira, falava a uma equipe de TV, burilava mais uma entrevista, contando que se lembrava do memorável ator José Lewgoy (1920-2003) sentado ali numa das cadeiras do agradável jardim. “É um espaço do filme independente, do filme não comercial. Então, é sempre uma lástima perder um espaço desses”, dizia Adhemar. Há 10 anos, quando o Espaço Itaú de Cinema completava 20 anos, o mesmo Adhemar relembrava, em um texto, como tudo começara:
“Criado pela família Moussali nos anos 50, com 1300 lugares e o nome de Majestic, o velho cinema passou por várias empresas até fechar no início dos anos 90. Recuperado e transformado em 3 salas, foi reinaugurado em 6 de outubro de 1993 com a exibição de O Banquete de Casamento, de Ang Lee. Novas luzes nesta rua tão Augusta, como dizia em filme nosso poeta Carlos Reichenbach“, escreveu. “Dedicado ao filme de arte, o novo Espaço acertou ao estabelecer aliança também com o filme brasileiro e ser o estopim da retomada do nosso cinema no início dos anos 90. Num momento de desprezo pelo produto nacional, o Espaço apostou sua programação no talento brasileiro”.
A inexorabilidade dos novos sistemas de dispersão do audiovisual, do streaming e da pressa, asfixia as salas de cinema não comerciais. Mas nem tudo é tão irreversível: essa semana, após ao anúncio de que o cinema fecharia, o Ministério Público entrou com uma ação para impedir seu fechamento. A ideia é que o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) abra uma análise para enquadrar o cinema na categoria de Zona Especial de Preservação Cultural e “impedir sua desocupação e a instalação de qualquer empreendimento imobiliário e comercial no local”. A Justiça se pronunciou e quer informações, para determinar a manutenção dos cinemas como espaços culturais. A plateia aguarda – ou começa um novo filme, ou sobrevirá um fade out definitivo.