“Bolsominions são demônios”

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Bolsominions. Capa do single. Reprodução
Bolsominions. Capa do single. Reprodução

Certa vez entrevistei Chico César e indaguei-o sobre “Pedrada”, reggae de protesto que ele havia lançado em disco (“O amor é um ato revolucionário”) e, antes, cantado ao vivo, pela primeira vez, num carnaval em São Luís (em 2019, ano de lançamento do citado álbum). “Nós temos a pedrada pra jogar/ a bola incendiária está no ar/ fogo nos fascistas/ fogo já!”, diz a letra. Queria saber se ela era uma resposta direta ao neofascista Jair Bolsonaro e sua facção de eleitores e seguidores. O cantor e compositor paraibano preferiu não reduzir ou fulanizar a coisa, já que apesar de o usurpador do cargo de presidente da República ser hoje o principal expoente do fascismo tupiniquim, não é o único, num país de racismo, misoginia, homofobia, ódio e violência institucionalizados.

Doutra feita, em uma rede social, o artista respondeu a um fã, que lhe recomendou o absurdo, o impossível: que Chico não misturasse arte e política. “Por favor, todas as minhas canções são de cunho político-ideológico!! Não me peça um absurdo desse, não me peça para silenciar, não me peça pra morrer calado. Não é por ‘eles’. É por mim, meu espírito pede isso. E está no comando. Respeite, ou saia. Não veja, não escute. Não tente controlar o vento. Não pense que a fúria da luta contra as opressões pode ser controlada. Eu sou parte dessa fúria. Não sou seu entretenimento, sou o fio da espada da história feito música no pescoço dos fascistas. E dos neutros. Não conte comigo para niná-lo. Não vim botar você pra dormir, aqui estou para acordar os dormentes”, escreveu.

Ontem, antecipando o vindouro “Vestido de amor”, seu novo disco, que chega às plataformas digitais na próxima sexta-feira, 23, Chico César lançou o terceiro single do álbum, a faixa “Bolsominions”, que o coloca como ponta de lança no enfrentamento ao bolsonarismo, ao neofascismo tupiniquim e suas ideias de aniquilamento do diferente. Um gesto corajoso, a pouco mais de duas semanas das eleições gerais de 2022, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) lideram as pesquisas de intenção de voto na mais acirrada eleição da história do Brasil, marcada pela violência estimulada pelo candidato à reeleição.

A quem porventura ousar tachar Chico César de oportunista: após “Pedrada”, no auge da pandemia, ele lançou, em agosto de 2020, “Inumeráveis”, parceria com o poeta Bráulio Bessa – o Brasil tinha à época 121.381 mortos por covid-19; até ontem (15), eram 685.203, a maioria mortes evitáveis, não fossem o descaso e a irresponsabilidade do governo federal, que retardou a compra de vacinas enquanto tentava negociar propina, e teve em seu principal mandatário uma espécie de sócio do vírus, com seu desestímulo ao uso de máscaras, ao isolamento social e à própria vacinação, além de garoto propaganda de medicamentos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus.

“A bolsa de valores sem valores/ os corpos malhados sem alma/ o sangue de barata e a raiva/ de toda humanidade que não quer ser salva”, diz a letra de “Bolsominions” (o título deste texto é o verso que abre a música), em que Chico César (guiarra, violões e voz) é acompanhado por Isabel Gonzalez (backing vocals) Valérie Belinga (backing vocals), Zé Luis Nascimento (percussão e bateria), Natalino Neto (baixo), Jean- Baptiste Soulard (guitarras), Sekou Kouyaté (corá) e Jean Lamoot (programação).

“Essa é uma canção em defesa da fé cristã e uma crítica a um grupo político de inspiração fascista que sequestrou de modo bastante hipócrita parte significativa das igrejas e o rebanho que professa essa fé. É um reggae quase punk de protesto, ao modo de Peter Tosh [1944-1987] ou The Clash. Os verdadeiros religiosos sabem que a crítica não se dirige a eles mas sim aos vendilhões do templo, gente que cultua o deus dinheiro, as armas, a terra plana, a negação da ciência, a misoginia, o racismo, a perseguição à diversidade sexual.”, finaliza Chico César.

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Ouça “Bolsominions” (Chico César), com Chico César:

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