Pandemia derrubou os hábitos culturais, mostra pesquisa

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A despeito do êxito de alguns eventos, como a Bienal de São Paulo (foto), o estudo mostra refluxo nas atividades culturais

O brasileiro gasta em média 3h15 por dia acessando plataformas de Video sob Demanda (VoD), tempo bem maior do que gasta em outras atividades de lazer e culturais na internet (2h56), segundo a pesquisa Hábitos Culturais III, realizada pelo Datafolha, sob encomenda do Itaú Cultural, e divulgada ontem, quinta-feira, 25 de agosto. Foram entrevistados 2.240 homens e mulheres, com idade entre 16 e 65 anos, integrantes de todas as classes econômicas.

O dado é inédito e dá uma ideia do tamanho do mercado de VoD no Brasil, segmento que ainda não tem regulação e, pior, é tremendamente subestimado (e desconhecido) pelo Estado brasileiro. Em maio, um Grupo de Trabalho (GT) interministerial do governo finalizou uma proposta legislativa para a taxação das operadoras estrangeiras (Netflix, Amazon Prime, Disney+, Hulu, etc) que exploram o VoD no Brasil – uma alíquota geral de 1% (reduzida para 0,27% em casos que haja investimento direto em produções brasileiras), 0,2% (em casos de empresas com faturamento anual de até R$ 200 milhões) e isenção total (0% de incidência) para plataformas que estejam integradas à serviços de telecomunicações. Caso seja adotada, será a menor tributação de streaming do mundo e um duro golpe nos interesses nacionais.

A pesquisa do Itaú Cultural/Datafolha consolida o estudo sistemático dos hábitos que estão em movimento ou se afirmando no Brasil desde a chegada da Covid-19. Ela mostra que, mesmo com o arrefecimento da pandemia, a frequência às atividades culturais não voltou ao ponto anterior ao coronavírus. O cinema foi a atividade que perdeu mais público, mas a queda afetou também apresentações artísticas, espetáculos infantis e visitas a museus, entre outras. O consumo de podcasts é destaque entre atividades que ganharam incremento.

O que se destaca no retrato traçado pela pesquisa é que a maioria dos brasileiros ainda não retomou por completo a rotina de atividades culturais no país, e 62% das pessoas estão realizando menos atividades de cultura e de lazer do que antes da pandemia. 26% dos entrevistados declararam que retomaram a frequência que mantinham antes da Covid e somente 12% aumentaram suas atividades.

O hábito de ir ao cinema foi um dos mais afetados pela queda de frequência. Na pesquisa realizada em 2021 pelo Itaú Cultural e Datafolha, 59% declaravam ter ido ao cinema antes da pandemia. Agora, apenas 26% declararam ter ido ao cinema nos últimos 12 meses.

Das pessoas ouvidas anteriormente, 39% tinham frequentado apresentações artísticas de música, teatro e dança (eventos presenciais ou online). Nos últimos 12 meses, isso caiu para 18%. Também registraram queda os espetáculos infantis (de 23% para 18%), as aulas e oficinas de arte (de 21% para 10%), a visitação a centros culturais (de 15% para 11%) e exposições e museus (de 11% para 8%), as oficinas de criação para crianças (de 15% para 7%) e os projetos artísticos guiados (de 12% para 6%).

Também registraram menor frequência filmes e séries (de 75% antes da pandemia para 70% no último ano), leitura de livros digitais (de 35% antes para 30% nos últimos 12 meses) e cursos online (queda de 32% para 28%). Mantiveram-se em estabilidade, dentro da margem de erro, ouvir música online (79% antes da pandemia e 80% nos últimos 12 meses) os e jogos eletrônicos (41% antes, 39% nos últimos meses).

Os podcasts ganharam terreno. Eram hábito para 32% antes da pandemia e agora são acompanhados por 42% dos entrevistados. Os webinares também avançaram. A atividade havia sido realizada por 19% antes da pandemia e chegou a 25% da amostra nos últimos 12 meses.

No início da pandemia, houve um boom de atividades culturais online, concentrado em live shows e outros eventos do tipo. Essas atividades tiveram impacto inclusive na saúde mental das pessoas, dando pinta de serem um caminho ascendente. A pesquisa levantou que, para 48% dos respondentes, as atividades culturais online contribuíram para melhorar a qualidade de vida (eram 44% em 2021) e diminuíram o estresse e a ansiedade (53% em 2022; 48% em 2021). As atividades online têm fôlego para permanecer? FAROFAFÁ propôs a questão aos organizadores da pesquisa, que responderam o seguinte:

“Pesquisa a gente nunca prevê o futuro, vê o presente e o passado. Mas se a gente pode traçar uma tendência a partir da nossa série histórica é que algumas atividades online vão permanecer. Me parece que, sem muita dúvida, especialmente esses que são muito praticados: filmes, séries, música e mesmo podcast, que continua crescendo”, disse Paulo Alves, gerente de pesquisa de mercado do Datafolha.

“É preciso destacar que ainda não há uma pós-pandemia, a situação pandêmica persiste, a vacina foi determinante, seguem morrendo pessoas em virtude do Covid”, disse Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. Desde o início, a gente tinha o sentimento, confirmado, de que iríamos viver uma situação de mudança, (passando inicialmente) de atividades só presenciais a atividades só virtuais e também às que acontecem presencialmente e vão para a internet e depois para as várias mídias para se tornar algo diferente”, analisou. “O que a gente tem percebido é que as pessoas, especialmente as que estão mais distantes fisicamente (da sede) do Itaú Cultural, essas pessoas, que vivenciaram as atividades virtuais mais intensas, teatro, exposições, seminários, essas pessoas que puderam ter um contato, um aprofundamento, elas continuam pedindo para que a gente faça. Lembro de um email de uma pessoa de Niterói: ‘Não parem de fazer teatro. Foi a oportunidade que tive’. Tá nítido que esse pedido veio para ficar. O desafio é: o que a gente apresenta de forma presencial para que as pessoas possam viver uma experiência transformadora? Esse é o desafio das instituições culturais, museus, bibliotecas, cinemas. Porque essa comodidade do virtual, apesar das limitações, para um País tão continental, alguém que está a 3 mil km, essa flexibilidade, a possibilidade de consumir atividades no momento em que estão acontecendo, isso é algo que veio para ficar. E a gente precisa também oferecer essa experiência cada vez mais qualificada. Se, naquele primeiro momento da pandemia, as pessoas tinham uma tolerância maior com um som mais comprometido, uma imagem mais turva, ou simplesmente chapada, se naquele momento tudo isso era tolerável, hoje naturalmente o público pede que a gente melhore. É o que a gente vive aqui com o Itaú Cinema: fazer um festival com uma curadoria mais qualificada, ter uma conversa no final com o diretor. Essa experiência presencial precisa oferecer muito mais do que a gente oferecia até hoje. O virtual precisa ser mais qualificado”.

 

 

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