Almério e Martins no palco em Recife - foto Ashlley Melo
Almério e Martins no palco em Recife - foto Ashlley Melo

A cena contemporânea de música pernambucana mostra vitalidade em Ao Vivo no Parque, álbum audiovisual gravado no Teatro do Parque, em Recife, que marca o encontro entre Almério Martins, dois compositores e cantores bem mais próximos da chamada MPB que do imaginário manguebit revolucionador da cena local a partir dos anos 1990. As poucas canções não autorais dão pista de que é mais atrás que ambos vão buscar referências e inspiração, em geral sem desapegar do chão pernambucano: o bravo rock udigrúdi “Anjo de Fogo” foi gravado em 1977 pelo autor Alceu Valença, pernambucano interiorano de São Bento do Una; “Rock do Ofício” (2015) é assinada pelo cantor e compositor recifense Geraldo Maia, em atividade desde os anos 1980; e “O Habitat da Felicidade” (2001), que abre o álbum-show como uma vinheta introdutória, é da lavra do também recifense Lula Queiroga, que a gravou em 2001. A única amostra não-pernambucana é “Amor Estou Sofrendo” (“você vai chorar por mim/ você não vai chorar por mim/ não vai, não vai, não vai”), de Jorge Aragãooriginalmente um pagode gravado em 1997 pelo grupo carioca Molejo, aqui transformado em balada climática e dramática.

Sobre os dois protagonistas de Ao Vivo no Parque, Almério, nascido em Altinho e formado musicalmente em Caruaru, tem dois álbuns solo corpulentos, Almério (2013) e Desempena (2017), além do tributo a Cazuza Tudo É Amor (2021) e Acaso Casa (2019), em dupla com a baiana Mariene de Castro. De Desempena. Ele traz para Ao Vivo no Parque a autoral “Tattoo de Melancia”, “Segredo” (da pernambucana Isabela Moraes) e “Queria Ter pra Te Dar”, composição de Martins. Nascido no Recife há 32 anos, Thiago Emanoel Martins do Nascimento integrou banda de rock Marsa, tocou rabeca nos grupos Sagarana Forró na Caixa e se lançou como artista solo em 2019, com um álbum intitulado apenas Martins, do qual extrai para o encontro com Almério as canções “Estranha Toada” (“eu cravaria meus dentes na tua garganta/ pra te morder as mentiras que saem da boca”), “Me Dê”, “A Gente Se Aproveita” (também gravada neste ano pela veterana cantora baiana Simone) e “Queria Ter pra Te Dar”, lançada por Almério dois anos antes.

Apesar do formato ao vivo, com hits cantados em coro pela plateia recifense, o que predomina e se destaca entre as 19 faixas do álbum visual são composições autorais inéditas de Almério, de Martins e do diretor musical do projeto, Juliano Holanda, também pernambucano, de Goiana. Os três assinam juntos a linda e potente “Desaperreio”, que remete à distância a outro conterrâneo da mesma geração, o explosivo Johnny Hooker: “Me jogo dentro do espelho/ espalho versos do avesso/ me dê um abraço profundo/ pra me refazer/ desaperrear a minha vida”.

Juliano Holanda é também artista solo e autor de trabalhos com nomes como Alessandra LeãoOrquestra Contemporânea de OlindaTicuqueirosFelipe S (Mombojó) e os não-pernambucanos Filipe CattoKléber AlbuquerqueElba Ramalho e Zélia Duncan. Holanda tem presença marcante em Ao Vivo no Parque, assinando a feroz “Tapa na Cara” (com Almério), a delicada “Ela Esqueceu Meu Nome” (com Isabela Moraes, convertido por Almério em “ele esqueceu meu nome”), a agreste-existencial “Deixe” e o rock-balada “Nu” (ambos parcerias com Martins).

Martins apresenta a composição solitária “Interessante e Obsceno” (“espero que você não se sabote/ nem troque seus olhares por acenos/ que o seu desejo não se acomode/ que seja interessante e obsceno”), e Almério assina “Antes de Você Chegar” (“não deixe que eu vire um meme da saudade/ na madrugada desse hospício sem você/ seja uma surpresa boa, venha me ver pra crer/ fica comigo noites inteiras/ fica inteiro noites comigo/ fica bandido inteiro sem paradeiro”) com a mineira Ceumar, e “É Só Música” com as baianas Joana Terra e Priscila Freitas.

Cada um a seu modo, Almério e Martins constróem universos musicais íntimos, delicados, às vezes introspectivos. Juntos, chegam a lembrar o encontro fundador dos pernambucanos iniciantes Alceu Valença e Geraldo Azevedo em 1972, sem a psicodelia e envoltos em nova masculinidade, e mostram o muito de comum e harmônico que há na canção contemporânea dos dois. E ainda há quem reclame da música brasileira dos anos 2020.

"Ao Vivo no Parque" (2022), de Almério e Martins

Almério e Martins ao Vivo no Parque. De Almério e Martins. Deck.

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