Titãs

Em 1986, na febre da juventude e num contexto ainda muito rudimentar de redemocratização, caía bem aos roqueiros Titãs o figurino antissistema atirado com raiva contra “Igreja“, “Polícia“, “Estado Violência“, “Homem Primata” (“capitalismo selvagem”) e outros “Bichos Escrotos“. Mas o cenário é muito diferente hoje, quando os Titãs sobreviventes (Branco Mello, Sérgio Britto Tony Bellotto), 36 anos mais velhos, afetam nova rodada de rebeldia e fúria contra o “Caos” brasileiro, sob produção musical do disciplinado e nunca desobediente Rick Bonadio.

“Não estou aqui a passeio/ vim em busca de mim/ tô viciado em oxigênio/ tô pilhado e de saco cheio”, o rock principia, divertido, para em seguida entregar de quais bichos escrotos o saco está cheio: “Da excrescência calhorda/ da horda de vossas excelências/ cuspindo no microfone/ cheirando a enxofre”. A vala comum do lavajatismo “contra tudo isto que está aí” é confirmada cabalmente no refrão, uma admissão de que, sim, eles estão aqui a passeio: “Hay gobierno, soy contra!/ soy contra, soy contra, soy contra/ contra el gobierno!”. Soaria passável em inúmeros outros momentos históricos brasileiros, mas neste sombrio 2022 vale a máxima já desgastada de que a omissão diante do fascismo não é omissão, é adesão e cumplicidade, se não aprovação bovina.

“Sou hippie das antigas/ do velho e bom paz e amor”, cantam em coro os roqueiros, ignorando redondamente que o discurso antipolítica e antissistema, que já foi dos hippies, hoje está sequestrado no Brasil por um (ex-)militar chamado Jair Bolsonaro, um come-come empenhado em continuar por mais quatro anos a armar a população civil até os dentes, exterminar inimigos (pretos, indígenas, mulheres, LGBTQIAP+, pobres, comunistas, doentes de covid etc.) a granel, dizimar a floresta amazônica, arremessar bananas e granadas à paz e ao amor. Tudo fica ainda mais transparente quando “Caos” explicita, mesmo sem dar “Nome aos Bois“, quem é “O inimigo” no rés do chão: “É a caterva dos cafajestes/ dessa subespécie/ de homem-sapo/ batráquio terráqueo”. Coach!

Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva

O travo é mais amargo do que parece, porque o trio compositor de “Caos” é formado pelo casal Rita Lee Roberto de Carvalho com o filho Beto Lee. Gênio musical brasileiro extraordinário desde pelo menos 1966, Rita não é em estética como é em política, graças às deusas e às bruxas. Fundamentalista neofascista, o tal bicho-papão está à espreita, e quem não estiver contra ele é mulher do padre, como já alertavam, inimigos mortais da “Igreja“, os titãs de outras encarnações.

"Caos" (2022), single dos Titãs

Caos. Single com Titãs. Midas Music.

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19 COMENTÁRIOS

  1. Deprimente por um lado. E muito motivador por outro, o de ver como a classe média alta pseudo tudo (e seu incontrolável animus domini) ficou pra trás, foi esmagadoramente atropelada pelos “verdadêru” (apesar de, sobrevivendo por aparelhos, ainda insistir que é ela, com sua luta chique, que vai “permitir” dar “vez e voz” (arghhhh) aos seus campônios.

  2. Melhor fase da Rita Lee foi com o Tutti Frutti, antes do Roberto de Carvalho. Letrinha fraca dessa música e o refrão é praticamente “La Bamba”: “hay gobierno soy contra, hay gobierno soy contra, se necesita una poca de gracia”… Por culpa dessa alienação estamos nessa merd@, passando pano pra nazifasci.

  3. É o que dá alguém querer parecer inteligente usando um ou outro termo escalafobético srss. Misturou tropicalia saltimbanco com Noguet a base de papel crepom e uma dose de humor Dostoievskivista srss

  4. Pqp, crítica rasa e oportunista aproveitando o momento de desespero político geral, parece que todo mundo tem que ser o máximo explicito ou será bolsominion. Tá bom, o Alkimin agora que é o revolucionário. Vai vendo. Arf.

  5. Bom texto mas no lugar errado: pelos comentários, os leitores são amigos do Lobão. Os meninos do Titãs sempre foram coxinhas, classe média arrivista, criados a leite com pêra, filhos do tucanistão. São todos talentosos mas nunca precisaram compreender a luta de classes, fazem música fútil low profile.

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