“Copeiras vestidas corretamente, uniforme preto, avental branco (não necessariamente de organdi), sapatos pretos fechados e sem salto, cabelos discretamente penteados. Se você for uma dona de casa muito novidadeira, pode pedir à sua empregada (se for negra) para fazer um penteado afro.”
Completa 30 anos neste ano um livro que, entre outras tantas coisas, emoldurou o sinistro pacto social que explica bastante este Brasil em que estamos metidos hoje. Na Sala com Danuza (Siciliano, 1992) já teve umas 50 edições e tem sido um dos maiores sucessos editoriais do nosso tempo. Ficou anos na lista dos livros mais vendidos.
“Se um de seus amigos esteve envolvido recentemente em escândalo financeiro, contrabando de armas, tráfico de drogas, com direito a aparecer na TV e nos jornais, por mais que vocês sejam amigos, dê um tempo. Deixe para convidá-lo depois que o caso estiver esclarecido ou, pelo menos, esquecido.”
A clareza com que Danuza Leão expõe a divisão entre um Brasil espoliado e um Brasil que espolia por “concessão histórica” é o que talvez choque mais nesse livro. Estimulada talvez pela ideia (compartilhada) de que era um aríete contra o “politicamente correto”, Danuza se expôs nesses livros e em seus artigos, mostrando o que se escondia debaixo do tapete dos ricos e poderosos.
Sem qualquer ideia de revanchismo ou animosidade, bem longe disso, este artigo busca apenas constatar a velocidade das transformações do debate público no Brasil. É impressionante como caducou esse reinado de Danuza. Foi apenas em 1992 que o livro da socialite foi lançado, na mesma década em que ela flanou soberana como colunista em antigos bunkers da classe média nacional (ficou 12 anos como colunista dominical na Folha de S.Paulo). Danuza era considerada sinônimo de glamour, de bom gosto inato (não “herdado”), de supremacia atávica. As pessoas queriam estar perto dela. Pelas qualidades que lhe seriam inerentes por decisão própria (e não por causa do dinheiro, isso é constantemente reafirmado), Danuza pairou acima de quaisquer outras vozes comportamentais e teve seu momento de autoridade.
“Quando você for presidente da República e reunir seu ministério, atenção: a cada duas horas, as pessoas (até para se refazerem e conseguirem produzir mais) precisam de dez minutos de descanso.” Danuza tinha a seu favor o argumento de que era muito divertida e espontânea – ultimamente, é o argumento preferido da extrema direita humorística. Ela mantinha essa meta da presença de espírito como um patrimônio: “Defenda a monarquia com veemência, às vezes, só para provocar”.
Considerar esse livro como uma caricatura não seria justo com ele. Danuza lhe deu credibilidade, posicionou-se politicamente muitas vezes, foi contra a PEC das Domésticas, conferiu estofo ao seu ideário. “Ensine sua empregada a atender ao telefone. Primeiro ela diz que você não está, e só então pergunta o nome, e se não quer deixar recado. Nunca o contrário.”
O livro, é evidente, teve atualizações progressivas nos últimos anos. Por exemplo: na edição original, ainda continha capítulos sobre fax e telefonia fixa. Mas a misoginia, o machismo e o racismo não são características das quais se pode livrar apenas com um copidesque caprichado.
“Faço parte de uma tribo longe de qualquer tradição ou preconceito, de meio social indefinido, uma pessoa com ideias próprias, um certo bom senso. E que, mesmo defendendo as belas maneiras, dá mais valor à ética nas relações do que a qualquer procedimento dito civilizado”, afirmava orgulhosamente a autora na contracapa.
Elevadas a paradigmas de elegância, individualismo, mundanismo chique, “bom senso”, as regras de etiqueta de Danuza chegaram a ser consideradas, em texto de apresentação de editora, como “crônicas da vida em sociedade”. “Aqui não se encontram regras dogmáticas, exageros, modismos.” É exatamente essa sociedade que a cronista retratava que, desmascarada pelo avanço daqueles que ela considerava inferiores, não sabe mais o que fazer com obras como essa a não ser escondê-la em suas antigas malas de viagem, que hoje criam mofo nos armários.