Promovida pelo jornalista Ricardo Alexandre para orientar seu podcast Discoteca Básica, uma nova votação sobre os melhores álbuns musicais brasileiros traz uma novidade na primeira posição: nas enquetes anteriores triunfaram Os Mutantes (1968), dos Mutantes, pela revista Bizz (em 1997), Tropicália ou Panis et Circencis (1968), pela Revista MTV (em 2003), e Acabou Chorare (1972), dos Novos Baianos, pela Rolling Stone (em 2007), mas o eleito da vez foi o denso, sisudo e monumental álbum duplo Clube da Esquina (1972), creditado a Milton Nascimento e Lô Borges, mas na verdade um trabalho coletivo que reuniu dezenas de músicos excepcionais em torno do núcleo mineiro que acabaria ganhando como rótulo definitivo o nome do LP. Pela primeira vez, a vertente tropicalista perdeu o trono para a veia emepebista-bossanovista-jazzística.
Ricardo Alexandre, ex-diretor de redação das revistas Bizz e Trip, divulgou os dez primeiros colocados como parte de uma campanha de crowdfunding para arrecadar fundos para a edição e publicação do livro Os 500 Maiores Discos Brasileiros de Todos os Tempos, a ser lançada no final do ano pela Jambô Editora, que reunirá os 500 títulos mais citados por 162 especialistas musicais (entre músicos, produtores, engenheiros de som, jornalistas, radialistas, lojistas, youtubers e podcasters) convidados a participar, inclusive o autor deste texto. Até a noite de 16 de maio, a bem-sucedida campanha, que esperava obter R$ 80 mil, já havia arrecadado R$ 170.770 de 821 doadores. Os dez favoritos foram os seguintes:
1. Clube da Esquina (1972) – Milton Nascimento e Lô Borges
2. Acabou Chorare (1972) – Novos Baianos
3. Chega de Saudade (1959) – João Gilberto
4. Secos & Molhados (1973) – Secos & Molhados
5. Construção (1971) – Chico Buarque
6. A Tábua de Esmeralda (1974) – Jorge Ben (Jor)
7. Tropicália ou Panis et Circencis (1968) – Vários
8. Transa (1972) – Caetano Veloso
9. Sobrevivendo no Inferno (1997) – Racionais MC’s
10. Elis & Tom (1974) – Elis Regina e Tom Jobim
A lista dos dez mais repete tendência insinuada desde enquetes da extinta Bizz nos anos 1980 e 1990, de alta concentração em obras musicais dos anos 1970, e de pouca generosidade dos votantes em relação a trabalhos mais contemporâneos – o disco mais jovem, Sobrevivendo no Inferno (1997), dos Racionais MC’s, tem 25 anos de idade. O trabalho mais completo, em que o jornalista promete detalhar cada uma das 162 listas de 50 favoritos, deve ser mais esclarecedor a respeito da distribuição por década, estilo musical etc., para além da supremacia da década de 1970 nos corações e mentes musicais, e deixando mais nítidas as ausências, que costumam ser tão recorrentes e eloquentes quanto as listas de “melhores”.
O podcast Discoteca Básica, inspirado na seção de mesmo nome da revista Bizz (a primeira a produzir rankings que, nos anos 1980 e 1990, já colocavam os 1970 no pedestal), é outro projeto vitorioso de Ricardo Alexandre, com quase 1,5 milhões de downloads em suas três primeiras temporadas e ocupando o Top 10 entre podcasts musicais nas grandes plataformas de streaming. Dedicado a fazer audiodocumentários sobre álbuns importantes da história musical do Brasil e do mundo, o Discoteca Básica estreou no dia 9 sua quarta temporada, falando exatamente do Clube da Esquina, e os próximos nove episódios seguirão a trilha dos dez mais.
Deixo abaixo meu quebra-cabeça particular, que enviei para os rapazes do Discoteca Básica, até para apontar o grau de aleatoriedade e as falhas inerentes a esse tipo de tarefa – com certeza, se feita hoje a lista seria bem diferente, e manteria provavelmente os vícios de origem (inclusive a resistência em ouvir os trabalhos mais recentes com mais generosidade e espírito livre). Eis:
1. A Tábua de Esmeralda (1974) – Jorge Ben (Jor)
2. Ogum Xangô (1975) – Gilberto Gil e Jorge Ben (Jor)
3. Clube da Esquina (1972) – Milton Nascimento e Lô Borges
4. Ney Matogrosso (1975) – Ney Matogrosso
5. Fatal (1971) – Gal Costa
6. Acabou Chorare (1972) – Novos Baianos
7. Fruto Proibido (1975) – Rita Lee & Tutti Frutti
8. Mutantes (1969) – Mutantes
9. Secos & Molhados (1973) – Secos & Molhados
10. Refavela (1977) – Gilberto Gil
11. João Gilberto (1973) – João Gilberto
12. Carlos, Erasmo… (1971) – Erasmo Carlos
13. Nara Leão (1964) – Nara Leão
14. Cabeça de Nego (1986) – João Bosco
15. Tim Maia (1970) – Tim Maia
16. A Dança da Solidão (1972) – Paulinho da Viola
17. Clara Nunes (1971) – Clara Nunes
18. Os Tincoãs (1973) – Os Tincoãs
19. Sobrevivendo no Inferno (1997) – Racionais MC’s
20. Elza Soares (1973) – Elza Soares
21. Roberto Carlos (1970) – Roberto Carlos
22. Os Saltimbancos, Chico Buarque
23. Elis (1974) – Elis Regina
24. Novo Aeon (1975) – Raul Seixas
25. Garra (1971) – Marcos Valle
26. Da Lama ao Caos (1994) – Chico Science & Nação Zumbi
27. O Futuro Não Demora (2019) – BaianaSystem
28. Pérola Negra (1973) – Luiz Melodia
29. Todos os Olhos (1973) – Tom Zé
30. Bicho de 7 Cabeças I (1993) – Itamar Assumpção e Orquídeas do Brasil
31. Imagem e Som (1971) – Cassiano
32. Alucinação (1976) – Belchior
33. Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo (1999) – Cássia Eller
34. Sítio do Picapau Amarelo (1977) – Vários
35. Lugar Comum (1975) – João Donato
36. Cheiro de Mato (1976) – Rosinha de Valença
37. A Peleja do Diabo com o Dono do Céu (1979) – Zé Ramalho
38. Feminina (1980) – Joyce
39. Guilherme Lamounier (1973) – Guilherme Lamounier
40. Aqui (1975), Almôndegas
41. Leci Brandão, (1986) – Leci Brandão
42. Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito (2015) – Johnny Hooker
43. AmarElo (2019) – Emicida
44. Viola Cabocla (1973) – Tião Carreiro e Pardinho
45. Pássaros na Garganta (1982) – Tetê Espíndola
46. A Feira (1974) – Quinteto Violado
47. Eva 2001 (1969) – Evinha
48. O Canto da Razão (1993) – Art Popular
49. As Aventuras da Blitz 1 (1982) – Blitz
50. E? (1974) – Baiano & Os Novos Caetanos
Leia aqui uma reportagem de 2008 sobre o Clube da Esquina.
P.S. em 17 de maio: minha lista chegou a ter 104 discos, seguem abaixo, em ordem alfabética de artistas, os que acabaram sobrando na difícil peneira.