Pequena coreografia do adeus. Capa. Reprodução
Pequena coreografia do adeus. Capa. Reprodução

Em “Pequena coreografia do adeus”, Aline Bei aprofunda seu balé literário, prosa poética já experimentada (e aprovada) em livro de estreia

As palavras literalmente dançam na prosa fluida de Aline Bei em “Pequena coreografia do adeus” [Companhia das Letras, 2021, 282 p.; R$ 49,90; leia um trecho]. A escritora paulista foi merecedora de todos os prêmios que amealhou com “O peso do pássaro morto” [Editora Nós, 2017, 168 p.], comovente livro de estreia da autora.

Como a estreia, “Pequena coreografia do adeus” também é um romance de formação e mantém características da escrita já reveladas pela autora em “O peso do pássaro morto”: a disposição das palavras nas páginas lembram poesia e há um toque poético no ofício de Aline Bei, que se vale do tamanho da fonte e do uso de itálicos para reforçar uma ou outra ideia ou entonação, e quebra os protocolos de pontuação e sinalização, subvertendo-os. Não é para qualquer um fazer isso com maestria.

A protagonista Júlia Terra – outra protagonista mulher, qual na estreia – é filha de pais separados e, diante dos conflitos típicos da adolescência, equilibra-se entre amar e odiar, um ou ambos, a depender do tempo, dos castigos, das reações. Acompanhamos seu amadurecer, conquistado à custa de muito sofrimento, e outra característica do conjunto da obra de Aline Bei é justamente essa leveza (poética) para tratar das agruras da vida, sem fazer disso uma apologia ao sofrimento.

Alguém já disse que é caminhando que se faz o caminho. E é vivendo que se vive a vida: não há fórmula ou passe de mágica. Entre bonecas, brigas, o diário mantido em segredo, a tentativa de ser bailarina (por imposição da escola, como castigo), o trabalho em um café e a liberdade de morar sozinha, Júlia encara as dificuldades da vida, sobretudo o tornar-se adulta.

Um detalhe de “Etats modifiés” (“Estados alterados”, em tradução livre), aquarela, grafite e esferográfica sobre papel, de Louise Bourgeois, de 1992, aparece na capa de Julia Masagão e dá o que pensar: parecem duas bonecas, embora eu pense na da esquerda como a protagonista menina que se torna mulher, numa espécie de dança desencontrada, cada uma puxando para um lado (com a mulher sendo aparentemente puxada pelos cabelos), como a traduzir ao mesmo tempo os castigos infligidos pela mãe e a beleza que Aline Bei tira das miudezas do cotidiano, de onde vem, por exemplo, o título do romance.

Em meio a tudo isso, um pugilista aposentado, uma viúva e um estudante em terras estrangeiras são personagens que também merecem atenção: freguês do café em que ela trabalha, a dona da pensão em que ela vai morar e o filho de sua patroa, respectivamente, parecem compreendê-la melhor que a própria família, afinal de contas, sabemos que laços sanguíneos nem sempre são a melhor explicação para determinados afetos e afinidades.

Difícil é o leitor não se pegar torcendo por Júlia, como quem torce por uma amiga de infância. Com a pureza e o desinteresse destas relações não são necessários grandes motivos para que as afinidades se estabeleçam – ou se reconectem – de imediato.

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