A peça Escola de Mulheres, em cartaz no Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, se vale de um texto escrito no século 17 para alfinetar o pensamento conservador do presente. Seria delicioso ver a pastora Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, assistindo a essa montagem, rindo à beça com as tiradas machistas e grotescas do protagonista e, ao final, ter de sair de fininha pelo desfecho da trama.
Apresentado pela primeira vez em 26 de dezembro de 1663, o texto de Molière se vale da ironia, da sutileza e da crítica social para mostrar o absurdo do patriarcado e do conservadorismo levados às últimas consequências, o que é do feitio de Damares e seu chefe supremo. Arnolfo (Brian Penido Ross) é um solteirão que vivia a infernizar a vida dos maridos traídos de Paris. Aos 40 anos, decide se casar, porém teme se tornar, ele próprio, alvo dos machistas e sofrer com a infidelidade conjugal. Para contornar essa situação, ele compra a garota Inês (Gabriela Westphal), ainda menor de idade, e manda-a para um convento, onde espera que complete a maioridade para então se casar com ela. Toma o cuidado de fazer com que ela seja o mínimo instruída possível.
Prestes a completar 18 anos, Inês se apaixona por Horácio (Ariel Cannal). O próprio jovem conta a Arnolfo como se enamorou da garota que é mantida num cativeiro por um doutrinador imbecil – obviamente sem saber que está diante dele. Arnolfo ouve a tudo e, valendo-se dessa vantagem, começa a manipular a história para afastar seu rival. O possesso ciumento fará de tudo para que os dois jovens se afastem, embora todas as suas tentativas se frustrem.
A sátira social presente em Escola de Mulheres poderia se justificar apenas porque Molière completa 400 anos de seu nascimento. Jean-Baptiste Poquelin, o Molière, escrevia comédias para criticar os costumes da época. A farsa presente nessa montagem na Aliança Francesa é parte indissociável de seu vasto repertório do dramaturgo francês, que também foi ator e encenador. De Tartufo a O Misantropo, de O Avarento a O Doente Imaginário, as peças de Molière eram impiedosas com a hipocrisia das classes dominantes, do clero e dos conservadores em geral.
Coube a Clara Carvalho, atriz e diretora teatral, repaginar essa obra de Molière para que sua montagem fizesse sentido mais de três séculos e meio depois. A peça diverte e cumpre o papel de escancarar o machismo patológico, senão doentio. Na atual onda de conservadorismo, é corajoso, senão perspicaz, fazer com o que otário caia em sua própria armadilha.