Quando Joe Sacco enxertou os territórios ocupados nas HQs

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Quase trinta anos após o início de sua publicação, em 1993, volta às livrarias brasileiras em edição luxuosa, completa e com admirável fortuna crítica a obra que inaugurou um gênero no jornalismo moderno, o jornalismo em quadrinhos. Trata-se do álbum “Palestina”, do norte-americano Joe Sacco, um clássico na acepção mítica da palavra.

Com prefácios do ensaísta Edward Said, do jornalista e professor da PUC, José Arbex Jr., e uma espécie de sketchbook do próprio Sacco (que influi fotografias que inspiraram os quadrinhos), “Palestina” é uma introdução minuciosa, didática e crua às razões e contrarrazões enfileiradas no debate sobre o conflito entre israelenses e palestinos, mas sem a “muleta” da isenção. Declaradamente privilegia a visão de um lado, o palestino, mas é como o autor declara: “Minha posição foi e ainda é que a visão do governo israelense já está bem representada pela grande mídia norte-americana”.

A origem de “Palestina”, uma obra que se insurge vigorosamente contra a chamada “engenharia do consenso” midiatica (como assinala José Arbex), remonta a 1981, quando Joe Sacco começou a duvidar das versões oficiais sobre uma terrível tragédia no Oriente Médio. Em 1982, o então premiê israelense Ariel Sharon (1928-2014) ordenou suporte militar a uma ação nos campos de refugiados libaneses de Sabra e Chatila, onde estavam milhares de palestinos (a maioria mulheres e crianças). O resultado foi o massacre de 5 mil refugiados.

O cartunista então resolveu viajar para a Palestina, no inverno de 1991-1992, vivendo lá por dois meses inicialmente. Antes de começar sua jornada, Joe Sacco leu Edward Said (A Questão da Palestina), Noam Chomsky (The Fateful Triangle) e Christopher Hitchens (Blaming the Victims). Em terras palestinas, o artista entrevistou mais de 100 pessoas, e iniciou sua progressiva transcrição daquelas cenas e depoimentos a uma visão gráfica que tivesse a credibilidade de um testemunho documental. Não só conseguiu como abriu um veio de investigação permanente, hoje ocupado por centenas de cartunistas do mundo todo. O próprio Sacco ganharia um Prêmio Eisner mais adiante, por Uma história de Sarajevo (Conrad, 2003).

“Palestina” foi publicado originalmente em edições de 24 e 32 páginas, lançadas entre o início de 1993 e o final de 1995. Em 1996, ganhou uma compilação completa, e sua reputação correu o mundo. Descreve da vida cotidiana em territórios ocupados a estratégias de tortura de tribunais. “Sacco dá uma cara aos árabes sem cara”, diz José Arbex.

O estilo de Sacco, num limiar entre o cartunesco e o realístico, entre a tensão e a quase pasmaceira, um estado realçando o outro, é trabalhado em preto e branco na obra que a Veneta está lançando, com tradução de Cris Siqueira.

Palestina. De Joe Sacco. Veneta Editora, 328 páginas, 110 reais
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