Os irmãos Clodo, Climério e Clésio Ferreira com a cantora Nara Leão

Aos 78 anos, o poeta piauiense Climério Ferreira segue polvilhando de versos os dias patrulhados por anjos tronchos da vida brasileira, ofício que pratica há mais de 60 anos.

Climério acaba de lançar Canções de Amor & Desespero, com 112 poemaspáginas. O título é um tributo a Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada (1924), do chileno Pablo Neruda. No livrinho de 2021, da editora mineira Caravana, o  amor é onipresente e o desespero é quase sempre subliminar, quando há. O jeito de Climério versejar pressupõe uns ilusionismos. Por exemplo: é comum que uma sentença comece no meio de outra, distraída pela ausência do ponto final do verso anterior.

Depreende-se dos poemas de Climério um aroma que remete aos elixires da refinada simplicidade de um Cartola, um Candeia, um Noel. Isso é decorrência, evidentemente, de sua longa folha corrida na MPB. Climério foi um dos grandes parceiros de Dominguinhos. E de muitos outros. É de Climério, por exemplo, o clássico “Enquanto Engoma a Calça” (1979, em parceria com Ednardo). Da confessional “Por um Triz”, gravada por Nara Leão em 1981. E de modernidades como “Quase Desatento” (2014, com Fernanda Takai, Marina Lima e Antonio Cícero). *

Suas rimas podem, eventualmente, ter a estrutura das sete sílabas de um cordel, como em “A Claridade do Escuro”, ou professar a liberdade absoluta do ritmo de Walt Whitman, como em “Eu Não Sou Romântico”.

“Não descanso no seio do poema Como se ele
fosse um berço macio Ou um celeiro de anjos
nus”

Sua jornada poética se acerca do rio da linguagem pela via da musicalidade, da possibilidade da música. Tudo que está ali pode virar disco a qualquer momento.

“A construção do meu sonho inclui a tua
presença
Leva em conta a minha terra E a canção
brasileira”

Ou então:

Por ti eu faço a canção Por ti escrevo um bolero
Invento um samba, um baião Dizendo que te
venero

Climério Ferreira formou um triângulo glamoroso da MPB ao lado dos seus irmãos Clodo e Clésio, o trio Clodo, Climério & Clésio, que lançou em 1977 um clássico absoluto da música brasileira, São Piauí (RCA Victor), produzido por Ednardo.

Em Canções de Amor & Desespero, o poeta não se mete a tensionar o arco de seu poema entre polaridades extremadas. Estão ali inequívocos retratos de solidão, sentimento e apaziguamento, feitos de palavras de reconhecimento imediato por todos os seres humanos. Alguns poemas vivem no limiar de uma quase tragédia, como “Minha Tia Esperando Seu Amor” ou “O Que Ele Disse”.

Riachos azuis de Manoel de Barros colidem com visões de Yeats e até uma pescaria crepuscular de William Turner: “Como viver numa cidade inexistente e linda/ que ontem morou em mim e que hoje em mim não vive”.

Um dos poemas do livro se repetiu na impressão, com apenas uma palavrinha trocada: “Hoje moro em você” e “hoje habito em você”.

Quando perguntada, pela revista Cláudia, sobre qual era sua faixa favorita do disco mais recente, Será Que Você Vai Acreditar? (2020), a cantora amapaense/mineira Fernanda Takai citou sem titubear a parceria com Climério Ferreira, autor da música “O Que Ninguém Diz”.

“É muito curioso como a gente trabalha, porque, durante muito tempo, ele fica me mandando versinhos – de três linhas mais ou menos. Eu vou guardando os versinhos e aí, quando eu vou ver, eles têm uma espécie de sequência. Eu começo a mudar de ordem e construo a letra a partir desses versos soltos”, explicou a cantora.

Sobre sua memorável canção com Ednardo, “Enquanto Engoma a Calça”, Climério Ferreira uma vez me explicou em mensagem pelo Facebook como surgiram os versos mais intrigantes da composição (mas não sem advertir, brincando: “Agora, quando me perguntarem de novo, vou mandar perguntar a você”):

“Não tinha esses versos na canção original. Ednardo acrescentou para me fazer uma surpresa. Quando eu trabalhava no INPE fiz uma canção chamada “Baderna” – na verdade, uma brincadeira com a despedida dos amigos de projeto. Vilma era a gerente do projeto e, muito competente que era, foi contratada pela editora Abril, indo, portanto pra São Paulo; e, no mesmo tempo, Maria Helena – uma das produtoras de rádio do nosso projeto – casou-se com o dentista que nos atendia em São José dos Campos. Sentindo que o nosso projeto estava sendo desmontado com a saída das pessoas, fiz ‘Baderna'”:

“Baderna” (Climério Ferreira)

Foi a maior baderna

Quando Vilma foi embora

A vida perdeu a perna

A saudade deu o fora

Apagou-se o riso largo

Na boca de quem sorria

E eu fui tomar um trago

No mesmo dia

Ai, pobre de nós

Nós que só vivemos de ilusão

Que temos que ouvir rádio sem voz

E sem imagem assistir televisão

Ah, mas como é triste

Essa nossa vida de artista

Depois de perder Vilma pra São Paulo

Perder Maria Helena prum dentista.

 

 

 

 

* Texto modificado às 17h10 de 23 de setembro, para excluir a canção “Revelação” (1978), gravada por Fagner, que é composição de Clodo e Clésio, mas não de Climério.

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