Parecia inepto e autoindulgente, como se fosse um Dudley Moore da Mooca.

Parecia frágil e ludibriável, honesto demais para o mundo, um bailarino de farol desviando das cascas de banana do overacting.

Quase tudo nas novelas sempre tratou de questões relativas à ascensão social, à briga de foice pelo topo, ou então os plots se ocuparam da opressão dos mais fortes (“o de cima sobe e o de baixo desce”). Mas o paletó xadrez e a maçã (ou o uísque) no cofre do Mário Fofoca, o personagem mais popular de Luis Gustavo, nos ensinaram tremendamente sobre uma estratégia alternativa e temerária: a inesperada eficácia da inadequação.

Peter Sellers das Galerias da 7 de Abril, Mário Fofoca teimava em mostrar-se respeitável e indesviável, valente e incorruptível (mesmo sendo alvo das galhofas e das tentações dos “vencedores”).

Seus personagens de contramão carregaram toda a vida alguma coisa da espinha dorsal dos clássicos, fragmentos de um Gulliver ou um Aladdin. Ou seja: peripécias que eram mais obra da sorte do que do cálculo. Seus heróis dobravam as forças da violência e do capital com o trunfo do acaso e mostravam que era possível assumir a cidadania plena sem ser obrigatoriamente pela via da seleção antinatural das finanças, das artimanhas das loterias ou da ascensão social.

Pontuava as frases em cena como se fosse recém-chegado do teatro (ou mais remotamente, do rádio), às vezes com um gaguejo, um pigarro, uma desmemória oportuna para tomar fôlego. Um galã improvável de monocelhas de cartum, atingia o núcleo da fortaleza do afeto por meio justamente de sua ternura, sua falta de premeditação.

É difícil falar de personagem por personagem do ator, porque ele nunca viu problema algum em se misturar às suas criaturas. Não vi “Beto Rockefeller” (1968), nem em reprise, só ouvi muito a trilha sonora por causa de “Caroço de Manga” e me diverti com o texto do Bráulio Pedroso na contracapa: “A princípio não acreditei como não acreditei em nenhuma estória que o Beto me conte”. Esse foi provavelmente um sentimento universal frente a Luis Gustavo: tudo partia de um descrédito inicial – geralmente fundado na nossa expectativa de êxito pré-moldada socialmente.

Em “Sai de Baixo”, equilibrando-se entre a canalhice predatória de Caco Antibes e a decadência aristocrática de Cassandra, o estóico Seu Vavá inventava negócios sucessivamente fadados ao fracasso, mas nessa escadaria de insucessos comerciais ele mantinha seu queixo erguido e sua fleuma de grande apostador. Não se dobrava jamais, jurava haver algum atalho para atravessar o portal que leva ao alto da pirâmide. Mesmo como “escada” compulsória para o estrelato de Miguel Falabella e Aracy Balabanian e Marisa Orth, não era raro que Luis Gustavo roubasse a cena com seu carisma, blindado pela admiração genuína de uma plateia que nunca o abandonará. Mesmo que ele a deixe repentinamente.

 

LUIS GUSTAVO SÁNCHEZ BLANCO
(Gotemburgo, Suécia, 1934 – Itatiba, SP, 2021)
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