“Partida” fabula sobre a utopia política

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Cena de "Partida", documentário de Caco Ciocler
Cena de "Partida", documentário de Caco Ciocler - Foto: Divulgação

Partida desconstrói, cena a cena, o potencial documentário que surgiria a partir de sua ideia original: encontrar o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica na virada de 2018 para 2019. Nada como escapar de ônibus de um Brasil prestes a mergulhar nas trevas do obscurantismo para receber uma lufada de democracia no país vizinho. Mas o resultado é melhor que a encomenda, sob a direção de Caco Ciocler. Partida é um mergulho nas entranhas da política e do capitalismo, que termina com uma bela aula de humanidade.

O documentário, em cartaz na Amazon Prime Vídeo, flerta com a ficção, porque a bordo do ônibus rumo ao Uruguai está a atriz Georgette Fadel, que promete, do nada, se candidatar à presidência da República em 2022 pela Partida, um partido político a ser formado apenas por mulheres. E ela encarna essa boutade, vendendo o seu inflamado discurso para o restante da trupe mambembe, composta por Ciocler (que estreou como diretor com Trópico de Câncer, de 2008) e a equipe técnica de filmagem.

Georgette Fadel contracena com Leo Steinbrunch, no doc "Partida"
Georgette Fadel contracena com Leo Steinbrunch, no doc “Partida” – Foto: Divulgação

Logo, conceitos caros para os apreciadores da política e da economia emergem em discussões etéreas e, por vezes, frágeis ou soltas no embate provocado entre Georgette e Léo Steinbruch, ator e cuja família pertence à elite industrial brasileira (ele é primo de Benjamin Steinbruch, dono da Vicunha e presidente do conselho da CSN). Sim, um defensor do liberalismo também está a bordo do ônibus. No início do longa, a caravana decide fazer uma parada em Curitiba, no acampamento Lula Livre, e os dois revelam de que lado da história preferem estar.

Provocada a pensar o Brasil e os problemas de uma nação desfigurada mesmo antes da ascensão de Jair Bolsonaro, Georgette mostra que mesmo sendo dona de convicções fortes sobre política, e consciente de seu papel de privilegiada na sociedade, vacila ao perceber o tamanho do desconhecimento que ronda a todos. Não só por Léo, incapaz de definir o que é comunismo, mas pelo motorista que conduz a equipe, que diz estar esperançoso com Bolsonaro, ou uma senhora uruguaia que vai na mesma direção.

Os bastidores da filmagem são intencionalmente revelados durante o documentário, engrandecendo a história. Ao final, percebe-se que a equipe, apesar dos vários conflitos e desentendimentos que vão surgindo, decidem embarcar na viagem, ainda na incerteza de um encontro com Mujica. É como se tudo fizesse sentido com as bênçãos do ex-presidente uruguaio.

O documentário Partida estreou na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, foi premiado no 14º Fest Aruanda (pelo Júri de Melhor Filme, Melhor Som para Vasco Pimentel, Melhor Atriz para Georgette Fadel e Melhor Montagem para Tiago Marinho). Levou ainda o 23º Festival de Málaga, como melhor documentário internacional, e o Porto Post Doc, de Melhor Filme.

Partida. De Caco Ciocler. Brasil, 2021, 93 mins. Na Amazon Prime Vídeo.
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