O governo federal colocou à venda uma joia da arquitetura mundial, o Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, marco do modernismo internacional (é considerado o primeiro edifício modernista de todas as Américas). O prédio irá a leilão no dia 27 de agosto. O edifício foi concebido nos anos 1930 pelo chamado Grupo dos 6 da arquitetura (Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Afonso Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernâni Vasconcelos) a partir de um desenho original do francês Le Corbusier, papa do brutalismo. Foi erguido entre 1936 e 1945 e é a primeira edificação do continente a utilizar de forma maciça todos os princípios do modernismo aplicados em escala monumental: concreto armado, pilotis, cortinas de vidro, brise-soleil, integração com obras de arte e mobiliário e o jardim-terraço projetado por Burle Marx.

Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), chegou a ser postulante a título de monumento da Humanidade pela Unesco. Muitos o estão chamando de “Ícone do Rio”, mas representa infinitamente mais que isso. Até recentemente, abrigou a sede do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro (seu apelido informal é MEC, antigo Ministério da Educação e Cultura), mas o ministério foi extinto por Bolsonaro e, pelo cenário de anemia por que passa o setor no País, aparentemente nada foi colocado no lugar. O prédio, de 16 andares, possui mais de 50 obras de artistas como Portinari, Pancetti, Guignard, Bruno Giorgi, Celso Antônio, entre outros, além de teatro e auditório.

O Palácio Gustavo Capanema foi incluído numa espécie de “saldão” que o governo organizou com imóveis públicos, no qual estão incluídos os edifícios Joseph Gire (conhecido como sede do A Noite), a antiga sede da RFFSA e outras 2.260 unidades, segundo informação do jornal Valor Econômico. O governo vai contra sua própria função precípua, definida pela Constituição Federal, que reza que o poder público, “com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.

Vender ao primeiro lance uma referência arquitetônica da Humanidade não é exatamente zelar pelo seu cuidado. A antiga lei dos tombamentos, de novembro de 1937, reza em seu artigo 11º que “As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos municípíos, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades”.

Há ainda mais um agravante: o Palácio Gustavo Capanema foi todo restaurado recentemente com dinheiro público por meio de investimentos de R$ 57,8 milhões, advindos do PAC Cidades Históricas. Isso caracteriza, no mínimo, desperdício de dinheiro público, já que o investimento não será recuperado com a venda. O prédio sempre pertenceu ao governo.

Consultado pelo FAROFAFÁ, o Iphan informou que o papel do instituto é cuidar apenas dos fatores relativos ao acautelamento dos bens tombados. “Neste sentido, orienta e emite pareceres sobre a conservação e preservação das edificações. O Instituto não dá aval ou parecer acerca de transações imobiliárias”. O órgão informou que nenhum dos imóveis colocados a venda é de propriedade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que pertencem à União, por isso pediu para que a reportagem entrasse em contato com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) para apurar a questão.

O escritor Pedro Nava definiu o palácio como “o início de nossa revolução em matéria de arquitetura e pintura”. Vinícius de Moraes o celebrou no poema “Azul e Branco” (Massas geométricas/Em pautas de música/ Plástica e silêncio/Do espaço criado/Concha e cavalo-marinho). Nos versos, Vinícius se referia aos painéis de azulejo brancos e azuis de Portinari. Carlos Drummond de Andrade o chamou de “exemplar típico e fecundante da evolução da arquitetura moderna”. É evidente que o governo não tem a menor ideia do que representa. Ou tem, o que é mais grave ainda.
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