O novo livro do autor e tradutor Rodrigo Garcia Lopes reflete sobre a condição do poeta num mundo convulsionado
Entre os poetas de espíritos mais contestadores da atualidade, destaca-se o nome do paranaense Rodrigo Garcia Lopes, reconhecido artesão do rigor formal. Inimigo do eufemismo e dos salamaleques literários, sua obra tem se caracterizado por um movimento em direção à superação do invólucro que geralmente interpõem entre o cotidiano instantâneo e a literatura. Não por acaso, o autor também faz música popular, inserindo-se num lugar de fronteira difusa entre gêneros artísticos.
O Enigma das Ondas, o sétimo livro do poeta, é principalmente uma blitz satírica em torno do ofício de escrever, da contingência de ter que dizer coisas em forma de poema. O prefácio é de um dos maiores escritores brasileiros da atualidade, Silviano Santiago, autor de Machado. Tradutor de Walt Whitman, Sylvia Plath, Rimbaud e outros autores, Rodrigo Garcia reflete sobre a própria incumbência de manuseador da palavra, zombando da pose, da premeditação, do cálculo, da idealização do leitor. A morte do Autor, ainda vivo, é a forma mais eficaz e moderna de queima de arquivo, escreve.
Numa interpretação literal, o título de O Enigma das Ondas pode remeter ao mar (o artista vive na praia, em Florianópolis). Mas há também uma correspondência com o sentido das ondas na física, as ondas elementares que oferecem múltiplas interpretações e ampla variedade de contradições (como a possibilidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo). Ego, seu tonto. Céus, que luta mais inútil.
O trabalho de traduzir do latim os epigramas do romano Marcial, incumbência que o escritor concluiu no ano passado, trouxe um eco à poesia de Lopes. Ele despeja sarcasmo em cima de poetas que falam mais do que escrevem e encharca de atualidade os seus epigramas contemporâneos (Isso é namorar uma reaça: quando Léia me beija nunca sei se é carinho ou ameaça).
O Enigma das Ondas é um livro fundamental da poesia que persiste e resiste no ano melancólico de 2020. Além de abordar, é claro, a pandemia, exorta um sentimento de rígida moralidade sobre a postura distanciada do artista num mundo em convulsão. Garcia Lopes propõe alguma dedicação moral para compreender o lugar no mundo: Substitua a arrogante arte da recusa/ pela simples e grata aceitação das coisas.
Apesar desse extrato zen, o livro é também uma declaração de combate ao verso empolado (“quando vejo um poeta usar a palavra enleio/ no ato já sei o que fazer/ nem leio”) e aos artifícios da linguagem – ele chega a comparar estilos com metáfora de atletismo, emparelhando o poeta fundista, que corre longas distâncias, ao poeta do sprint, capaz de arrancadas impressionantes. Nem todos os poetas são iguais. Alguns abusam.
Com um senso de urgência análogo ao da poesia beat, O Enigma das Ondas reverencia os mestres, mas desta vez para refutar a profunda alienação do artista. Como na citação de Ezra Pound que abre um dos poemas: A linguagem nebulosa dos trapaceiros serve apenas a objetivos temporários. Nascido em Londrina, em 1965, Rodrigo Garcia Lopes foi professor de literatura nos Estados Unidos e é autor, entre outros, de O Trovador (2014) e Experiências Extraordinárias (2015), além de ter sido premiado pela Fundação Biblioteca Nacional em 2019 por ensaio literário sobre Paulo Leminski.