Jeanine Spenato tornou-se prostituta por acaso. Uma noite, ao fim de seu expediente no trabalho de lanterninha em um cinema de Lausanne, na Suíça, foi confundida com uma. A princípio recusou a oferta de dinheiro por sexo, mas reencontrando o motorista que abordou-a noutra noite, perguntou-se: “por que não?”.
Sob o pseudônimo Isa, a Sueca, conquistado graças a uma peruca que usava, ela tem sua história contada em “Jeanine”, de Matthias Picard, primeira hq do francês vencedor do Angoulême publicada no Brasil.
Picard é bastante original ao desenhar a biografia da célebre prostituta que acabou por inspirar profissionais do sexo ao redor do mundo em sua luta por direitos e contra a hipocrisia reinante.
Ele se coloca dentro da história, nas visitas que faz à vizinha, quando ouve seus relatos sobre seu nascimento num povoado a 30 km de Argel, a infância, a natação a que parecia predestinada (nasceu dentro de uma canoa que seu pai usava para pescar para completar a renda de pedreiro) e que lhe deu alguns prêmios até que um tiro na mão inabilitou-a ao esporte, os amores, a prisão que a impediu de ver os acontecimentos de maio de 1968 e a prostituição em si.
O quadrinhista se vale também dos trechos iniciais de “Atenção, menina”, romance autobiográfico que Jeanine Spenato está (ou estava) escrevendo. “Jeanine” tem posfácio de Monique Prada, “trabalhadora sexual e escritora”, “autora de Putafeminista” [Veneta, 2018]. O epílogo, desenhado de modo a parecer um rascunho, revela a apresentação à biografada dos dois primeiros capítulos do álbum (que ele fez questão de levar pessoalmente) – seis saíram na trimestral Lapin, entre fevereiro de 2009 e maio de 2010.
Como todo quadrinhista que se preze e, tendo se tornado personagem da história que conta, Picard não se poupa de autoironia. É hilariante o quadro em que a protagonista lhe pergunta “mas você tem certeza que não quer escrever um LIVRO DE VERDADE?” (grifo do autor).