Valentina Caran conheceu Coelho da Fonseca num showroom da Avenida Brasil, um velho casarão quatrocentista todo desfigurado por ladrilhos hidráulicos.

Discretamente, ele disse a ela:

“Teu loft está com o IPTU aparecendo!”

Valentina ficou ruborizada. Mas, para não ficar vendida no lance, retrucou:

“É isenção para templo. Sempre acontece, tem essa instabilidade sazonal, eleitoral… Sabe Condephaat?”.

“Sei”, disse o Coelho, fingindo pouca atenção ao deslize.

Clientes de coberturas arrematavam triplexes e quadruplexes às pencas no salão.Alguns reclamavam de promissores arranha-céus interditados nas imediações da antiga Daslu.

Coelho quis chamar Valentina para apreciar a demolição de uma quadra inteira de sobrados que estava pilotando em Higienópolis para erguer um shopping, mas ficou meio intimidado com a desinibição dela. No meio daquele leilão, uma figura onipresentemente incorporadora se acercou da dupla com um Bloody Mary na mão. Não falou muito, mas arrematou muito e tinha olímpico ar de superioridade. Parecia familiar.

“Sua prima?”, perguntou Valentina Caran ao Coelho da Fonseca.

“Não. Subprima. Sotheby’s, de NYC. Real State, saca?”.

“Ah…”

O dólar a R$ 4,50 tinha elevado em quase um terço os lucros na metrópole.

Mas mesmo assim tava faltando aventura, tava faltando emoção, tava faltando comprador irresponsável, comentou uma eternamente insatisfeita Valentina.

Coelho da Fonseca sentiu o momento propício. Foi até a sacada e apontou-lhe o terraço do antigo banco do Edemar:

“Breve haverá uma corrida para construir um mega-estacionamento na Amazônia. Os advogados ali já cuidaram de tudo. Cimentaremos também uma parte do Pantanal. Tudo aponta para o Norte. Porque não marcamos um safári a dois em 2023?”.

Valentina sorriu, blasé.

“Estou muito orgânica por esses dias, meu querido empreendedor master. Dispenso, prefiro ficar por aqui mesmo. Tem um enclave numa rua sem saída na Chácara das Jaboticabeiras que quero erradicar ainda esse ano…”

Disse e sumiu no salão, deixando o Coelho desorientado – enquanto nas picapes o DJ tocava uma versão  desconstruída de Casinha Branca, do Gilson, sucesso de 1979.

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