No ano passado, no dia do Natal, uma viatura da polícia passou e o policial perguntou a Ivan, que dormia na praça Haya de la Torre, uma ilhota na Avenida Juscelino Kubitschek, quase Avenida Santo Amaro, em São Paulo: “Você já comeu hoje?”.
Como a resposta foi negativa, os policiais o mandaram a um restaurante no shopping ali perto, para que comesse, e pagaram sua conta. Na volta, Ivan achou um monte de madeira. Começou então a construir sua morada naquela mesma praça.
“Eu dormia na calçada, mas as pessoas não enxergavam. Aí eu construí uma casinha de bonecas, assim passei a ser visto”, ele diz, com o entusiasmo de quem tem uma história única para contar.
“Ao todo, até hoje, gastei apenas R$ 4,60 em pregos. O resto tudo achei na rua”.
Uma boneca chama outra. Ivan passou a construir casinhas de boneca na praça. O canteiro, abandonado e seco, ele encheu com mudas de plantas que achou nas caçambas.
Sua própria casinha de boneca, onde viveu nos últimos 5 meses, foi sendo decorada. Fez armários e guarda-roupas para seus pertences. Reformou um abajur e de uma sirene de saída de garagem ele fez um poste de iluminação. Há uma garrafa de Jack Daniels na prateleira da cozinha. Há livros e revistas e a cama está impecavelmente arrumada. Há tapetes de boas vindas e fontes de eletricidade alternativas, baterias.
“Sou um morador de rua, não sou outra coisa. Mas quando eu decidi viver na rua eu pensei que queria continuar sendo eu mesmo”, ele diz.
Conta que veio parar na rua após uma separação traumática. Essa parte eu vou pular porque precisaria ouvir a ex-mulher dele para saber se é verdade o que diz.
Seu capricho chamou a atenção: ganhou várias latas de tinta para pintar seus artefatos, e serrotes, e martelos, e alicates.
Há algumas semanas, uma mulher que trabalha em um dos edifícios de escritórios na região começou a tentar Ivan com uma proposta: levá-lo para ser caseiro de seu sítio. Ele é um ás na jardinagem. Ele foi negociando, até que topou. No dia 20, as casinhas de boneca de Ivan abandonam a avenida. Ninguém quer viver na rua para sempre.
Ivan nasceu em Ipirá, Bahia, a 86 km de Feira de Santana.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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