Dona Onete, bem longe da gourmetização do brega

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Dona Onete, rainha do carimbó, se apresentou no Festival Se Rasgum - Foto: Jotabê Medeiros
Dona Onete, rainha do carimbó, se apresentou no Festival Se Rasgum - Foto: Jotabê Medeiros
Dona Onete, rainha do carimbó, se apresentou no Festival Se Rasgum – Foto: Jotabê Medeiros

Há 39 ilhas nos rios do entorno de Belém do Pará. Dona Onete é o tipo de artefato cultural capaz de ligar todas essas ilhas.

“Você pode ligar pro meu celular/ na hora que você quiser/ a proposta de pé, pra você passar o inverno comigo/ e se a gente se der bem/passa o verão também”, canta Dona Onete, em “Proposta Indecente”.

Aos 76 anos, ela canta sentada a maior parte do tempo, mas é provavelmente a dança da cadeira mais remexida de todos os tempos.

Dona Onete tem uma folha corrida que lhe dá uma vantagem: não corre o risco de ser sequestrada pela onda de gourmetização do brega, ela é como se fosse personagem de um conto de Wander Pirolli.

76 anos e Reginaldo Rossi na veia. Depois de cantar “Poder da Sedução” e “Louco Desejo”, ela inicia sua cooptação tranquila do público: “Que bom, gente, que vocês gostam de bolero!”
Seu show na noite de ontem, em Belém, sua terra, no Festival Se Rasgum, foi uma avant première de seu novo disco, que chega em fevereiro. Cantou três inéditas, uma delas “Banguê da Mandioca”, que ela explica se tratar de um ritmo moldado nos engenhos de cana-de-açúcar com a batida do negro e a pisada do índio.

E deu a sentença sobre a vantagem de se dançar o banguê (que foi título de romance de José Lins do Rego em 1934): “Carimbó não dá briga, banguê também não dá”.

Sabe se colocar. Saudou o Dia da Consciência Negra e disse que sua pele de chocolate é irresistível. “Todo mundo gosta de chocolate.”

Em outra inédita, “Coração Brechó”, explicou o conceito. “Quem aí não tem o coração cheio de bobagem? Vira um brechó o coração da gente.”

“Eu faço parte dessa história , eu e mestre Laurentino“, ela diz.

Dona Onete sabe o poder dos ritmos do Pará, o valor agregado que carrega dos seus Igarapés.
“A mulher do Pará é lua. Manhosa”, diz, antes de cantar “Lua Namoradeira”.

Com aquele sem cerimônia típica dos lupanares de beira de cais, ela vai dando o serviço: “Uma flor no cabelo, uma boca pintada e uma saia rodada”. Precisa mais?

* Publicado originalmente em El Pájaro que Come Piedra

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