Banda de samba-jazz que acompanhou Elis Regina e cantora de samba-reggae fazem um show conjunto
Daniela Mercury, baiana, canta “Upa, Neguinho”, sucesso de 1966 na voz da gaúcha Elis Regina. O Zimbo Trio, paulista, toca “O Canto da Cidade” (1992), um dos primeiros popsambas baianos celebrizados na voz de Daniela. O trio de samba-jazz que acompanhou Elis nos anos 1960 e a cantora de samba-reggae que ganhou as ruas brasileiras nos anos 1990 se unem para homenagear, entre outros, Elis, o paulista Paulo Vanzolini e o carioca Vinicius de Moraes.
Este será o show de abertura da Virada Cultural 2013 no palco da praça Júlio Prestes (onde se apresentarão também Racionais MC’s, George Clinton & P-Funk All Stars e Black Star), às 18 horas do próximo dia 18 de maio. Totalmente inédito, o encontro tem para Daniela um sabor de celebração à liberdade.
“Minha liberdade sempre foi muito bem exercida. Vai ser um momento a mais para exercê-la”, afirma a cantora, que está em São Paulo envolvida com ensaios e definições de repertório em conjunto com o histórico Zimbo Trio. Ela estabelece, nessa frase, a ponte entre a participação na Virada e a atitude recente de trazer a público sua relação amorosa homossexual com a jornalista Malu Verçosa.
“Não estou aqui neste mundo para ficar acuada”, afirma. “Tem todo um diálogo com o mundo que fica suspenso se a gente não se expõe. A gente se autodescrimina, né, Pedro?” É, Daniela.
Enquanto discute incluir no repertório “Ronda” (de Vanzolini), “Marambaia” (do paulista Henricão e do carioca Rubens Campos), “O Rancho da Goiabada” (do mineiro João Bosco e do carioca Aldir Blanc) e “Saudosa Maloca” (do paulista Adoniran Barbosa), a artista manifesta surpresa com a boa receptividade geral a seu grito íntimo para o mundo. “Eu esperava as pessoas mais duras, mas praticamente não tem ninguém contra. É algo que você só percebe quando enfrenta a situação. A gente não imagina, mas há um consenso de respeito às pessoas por elas dizerem como são. Não fiz nada de mais, só estou dizendo quem eu sou.”
O caminho da reflexão faz Daniela relacionar a exposição da própria sexualidade ao fato de se colocar como nordestina num palco central da cidade brasileira mais nordestina fora do Nordeste. “A gente se declarar é uma quebra de paradigma, como foi com o divórcio, com a inserção de cidadãos negros e outros considerados desimportantes na sociedade. Eu sou nordestina, já estou cansada de tanto preconceito, de tanta discriminação, de tanta exclusão. Como nordestina, conheço muito isso tudo. Minoria, não, não venha me falar que eu sou minoria, meu amor. Qualquer dia vou fazer uma parada nordestina em São Paulo”, brinca.
O Brasil, diz Daniela, é o laço que justifica o encontro com o Zimbo Trio e com repertório tradicional de MPB. A cantora de sambas e MPB que ela foi antes de explodir em cima do trio elétrico se reencontrará com seus próprios sambas-reggaes, que o Zimbo retrabalhará pela primeira vez.
“Vamos celebrar o Brasil, na Virada Cultural, que é a reiteração dessa relação com o Brasil. Elis me aproximou do Zimbo Trio, porque eu sou da família dela e ela é da família deles. São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul podem ser o mesmo lugar no palco. Nós somos todos sambistas, e eu também sou jazzística. Conheço tudo que o Zimbo toca, e pedi para eles pensarem em como fariam meus sambas”, conta.
A frase que dá título a este texto é da própria cantora, quando ela procura definir o que pode vir a ser o show inaugural da Virada 2013: “A alma do Zimbo se encontra com o trio de Daniela Mercury”. No meio do percurso devem aparecer afro-sambas cariocas de Baden Powell e Vinicius, as “Águas de Março” de Tom Jobim, a “Praça Clóvis” de Vanzolini e a “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso.
(Texto publicado originalmente no blog Virada Cultural, da Prefeitura de São Paulo)