Paulo Vanzolini (1924-2013)

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Cientista reconhecido internacionalmente, o zoólogo e compositor paulistano morreu às 23h35 de domingo, 28 de abril, no hospital Albert Einstein. Deixa mulher e cinco filhos.

Paulo Vanzolini, no Museu de Zoologia da USP - Foto Dafne Sampaio
“O melhor bem que alguém tem na vida é o anonimato.” Lembro do autor proferindo essa frase como se fosse hoje, mas ela é de janeiro de 2004, quando entrevistei Paulo Vanzolini, o músico-cientista que o Brasil perdeu na noite de domingo. A conversa para falar de São Paulo aconteceu em seu laboratório no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, na Avenida Nazaré, no Ipiranga. Vanzolini tinha cara de sisudo, mas era um homem bem-humorado, que gostava de falar, contar “causos” e tinha uma memória espetacular. Prendia-se aos detalhes, o que já revela muito sobre suas letras e seu imenso trabalho de zoólogo, um dos mais respeitados pela comunidade científica internacional. Voltei a encontrá-los algumas outras vezes, mas em rodas de samba nas quais ele ficava ali, no cantinho, cantando com ou sem microfone e sempre de voz baixinha.
Vanzolini gostava do anonimato, mas este parecia não dar muita pelota para ele. Hoje é dia de lembrar de “Ronda”, “Praça Clóvis”, “Volta por Cima”, “Pedacinhos do céu”, entre as suas mais famosas, mas também de ir caçar outra preciosidades como “Capoeira do Arnaldo”, “Samba abstrato”, “Samba erudito”, “Juízo Final” e “Boneca” (em parceria com Paulinho Nogueira). É uma justa homenagem a quem tão bem cantou para as almas desamparadas, as morenas tão desamadas, as mulatas companheiras, os homens abandonados por seus amores, os boêmios das longas noites paulistanas.
Inevitável falar com o paulistano do Cambuci e não perguntar de “Ronda”, o samba-canção composto em 1945, só gravado por Inezita Barroso oito anos mais tarde no disco “Moda de Pinga” e imortalizado na voz de Márcia. Como que para se libertar da sua mais gravada canção, que dizia achar engraçado ser a música campeã dos karaokês, Vanzolini falava dela em tom menor. “A ronda é uma enganação. A mulher começa dando a impressão de que está procurando um cara, mas não é para amar e sim matar”, disse na entrevista de 2004. A mulher “desencantada da vida” queria mesmo era vingança, explicou.

Filho de pai engenheiro, Vanzolini gostava desde criança a ir aos bailes para ficar ouvindo a orquestra tocar. Saiu de casa cedo para morar sozinho no Edifício Martinelli e ter liberdade para assumir a boêmia. Lá via o zunzum da cidade e dos meretrícios de porta aberta nas Ruas Aurora e Vitória. Entrou no Exército, quando numa das rondas pelo centro paulistano encontrou a inspiração para compor “Ronda”. Dizia: “A cidade é como o ar que respira, você não sente, mas precisamos dela do jeito que ela é.”
Vanzolini trabalhou em rádio (ao lado da atriz Cacilda Becker) e na TV (a convite de Raul Duarte, produziu Aracy de Almeida, participou dos festivais da Record e ficou amigo de Adoniram Barbosa), ao mesmo tempo em que firmava sua vida acadêmica (estudou na USP e depois o doutorado em Harvard). Na época da Faculdade de Medicina na USP, recitava monólogos para uma plateia só de homens. Lembrava da influência que o teatro de revista, de Ary Barroso, exerceu na sua formação artística, tanto quanto da Boate Oásis, o “Clubinho”, que ficava na sede do Instituto de Arquitetos do Brasil, o ponto de encontro da intelectualidade paulistana dos anos 1950. Lá convivia com Pixinguinha, Donga, Tarsila do Amaral, Sergio Milliet e Alfredo Volpi.
Também era de ir de bar em bar, como no histórico Jogral (no qual fez parcerias produtivas com Luiz Carlos Paraná, Adauto Santos e Paulinho Nogueira). Nesse outro reduto da boemia, na época na Rua Avanhandava, surgiram nomes como Jorge Ben e Trio Mocotó. “Era o contraponto ao “iê-iê-iê”, da Jovem Guarda, e às “discothéques””, disse Vanzolini. O Jogral é fonte inspiradora para os barzinhos de MPB de toda uma geração (e que hoje estão rareando).
Em 1963, Vanzolini compôs “Volta por Cima”, que na voz de Noite Ilustrada, autor da primeira versão gravada, ganhou ares revolucionários. Era véspera do golpe militar e os versos “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, que hoje permitem múltiplas leituras, simbolizavam a resistência de parte da sociedade brasileira. Jair Rodrigues a regravou anos depois.
Outros cantores e intérpretes do naipe de Martinho da Vila, Chico Buarque, Maria Bethânia, Toquinho e Paulinho da Viola gravaram composições de Vanzolini. Na dupla vida de músico e cientista, dava preferência pela última. Dizia que a música era um hobby, que compor era trabalho para as horas vagas e a inspiração exigia cuidados de um ourives. Sua obra pública não é extensa, cinco álbums e menos de 70 composições. “Quando eu for, eu vou sem pena”, gravada por Chico Buarque e presente no disco “Acerto de Contas” (2003), é de 1997. É um de seus cantos de despedida antecipada: “Quando eu for, eu vou sem pena/
Pena vai ter quem ficar/ (…) O que eu fiz é muito pouco/ Mas é meu e vai comigo/ Deixo muito inimigo/
Porque sempre andei direito”.
Vanzolini era casado com a cantora Ana Bernardo e teve cinco filhos do primeiro casamento. Ele havia completado 89 anos no último dia 25.

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