São Paulo viu (será que viu mesmo?) a Virada Cultural, mas a sensação que fica depois de centenas de espetáculos não-vistos é de que tudo não passou de uma galinhada

A Virada Cultural que eu não vi aconteceu em 893 palcos, onde se apresentaram centenas de artistas e, só posso imaginar, deve ter sido legal. Foram shows de Jorge Ben Jor, Flora Matos e Lurdes da Luz, Pagode da 27, Samba da Laje, Jupiter Maçã, Guilherme Arantes, Claudette Soares, Leci Brandão e Zezé Motta, Rita Cadillac, Bixiga 70, Projota, Vanguart, entre tantos outros e apenas citando os brasileiros. Também não deu para conferir todos os filmes, as peças de teatro, os saraus literários e os espetáculos infantis. Deve realmente ter sido legal.

Flora Matos e Lourdes da Luz - Foto blog da Virada Cultural

O balanço oficial da Prefeitura, artífice e promotora do evento, comemorou o público, estimado pela São Paulo Turismo em cerca de 4 milhões de pessoas, o aumento de palcos por mais de 200 pontos da cidade e as mais de 7 mil lixeiras instaladas nesta 8ª edição. O resto foram problemas pontuais, disseram os organizadores. Tristemente, na Virada Cultural que eu não vi ocorreu uma morte de uma jovem por overdose, duas pessoas foram baleadas, mais de 20 detidos e a apreensão de centenas de litros de bebidas provavelmente falsificados, como o vinho branco e o uísque.

Vi na íntegra os shows de Byafra, Samba da Vela, Os Mutantes, Titãs e Gilberto Gil. alguns parcialmente como Pinduca e Mercenárias, e outros mal posso dizer que vi já que eram shows nos telões com gosto de anticlímax, como Edy Star e Banda Monomotor e Leci Brandão. Foram 15 horas, de forma que posso dizer que fiz um “virado”, pergunta frequente entre a plateia. Andei uma vez de um palco a outro de metrô, mas era mais eficiente ir a pé. Dois calos não me deixam mentir. Isso não foi legal.

É difícil entender porque é tão legal concentrar tantos shows em pouco mais de 24 horas se ninguém, nem mesmo a autoridade máxima da cidade, o prefeito Gilberto Kassab, seria capaz de ver 5% do que foi oferecido (ele quis ver?). São Paulo é outra cidade nos dias da Virada Cultural, pelo menos na região em que acontece o evento. Os carros perdem a vez para os pedestres e dá uma vontade de ficar um tempão caminhando entre as Avenidas São João e Ipiranga para sentir “a dura poesia concreta de tuas esquinas”. Caetano Veloso e eu, sem dúvida, achamos legal esse lado cidadão da Virada Cultural. Mais que isso, seria fundamental devolver a cidade aos cidadãos. Mas estão aí os outros 363 dias para nos acordar do sonho.

No Minhocão, outro lugar que é uma delícia caminhar sem carros, a Virada Cultural que eu não vi, na verdade, é uma que eu não provei. Eram 22 chefs que montaram suas barraquinhas para oferecer pratos especiais a no máximo 15 reais. Está todo mundo falando da galinhada de Alex Atala, que foi incapaz de atender aos 5 mil (bota 5 mil nisso!) “mortos de fome” que se aglomeraram e ficaram a ver navios.

Não havia comida para todo mundo, embora a ocupação gastronômica dessa feiúra arquitetônica de São Paulo tenha sido a bola mais dentro na programação do evento. Só que aí leio que o secretário municipal da Cultural, Carlos Augusto Calil, falou isso: “Alta gastronomia é coisa para poucas pessoas.” Convido Calil a provar o churrasquinho grego a 3 reais (que teve ágio de 30% por conta da Virada Cultural) da Rua Conselheiro Crispiniano, ali ao lado do Teatro Municipal. Vem com “suco grátis”. O povo merece comer só isso, secretário?

A Virada Cultural que eu não vi nos jornais Folha de S.Paulo e Estado de S. Paulo, os dois jornalões paulistas, é a cobertura dos shows que perdi por ser apenas um. Minha esperança era ler agora cedo sobre como foi a apresentação de atrações nacionais e internacionais, como Defalla, Man or Astro-Man?, Popa Chubby, Arnaldo Baptista, Tetê Espíndola, Violentango, Raul de Souza com Zimbo Trio e o encontro de Robertinho do Recife e Jesse Robinson, entre centenas de outras coisas. Parece que a Virada Cultural foi só uma galinhada.

Daí começa a fazer muito mais sentido as denúncias que o jornal SPressoSP, que desde o último dia 2 de maio nos apresenta sérias denúncias de esquemas milionários para faturar com o evento. Sob o título “Gestão Kassab: Virada Cultural seria operada por esquema de empresas“, descobrimos que empresas que supostamente participariam de esquemas licitatórios para organizar os shows têm os mesmos donos e, às vezes, com sedes em endereços fictícios. Segundo o jornal, ao concentrar as centenas de atrações em dois dias, ficaria mais fácil justificar custos adicionais e em grandes volumes, enquanto na prática o exigido é bem menor. A contratação de artistas – são tantos, afinal – entraria no esquema, já que eles receberiam menos do que o declarado. Essa é uma Virada Cultural que eu não vi em lugar algum, exceto no SPressoSP. Aqui e aqui, dá para ter mais subsídios para formar opinião.

O acesso à cultura é um dos objetivos maiores de qualquer sociedade. O que a Prefeitura faz com a Virada Cultural é oferecê-la em overdose à cidade, mas não aos seus cidadãos. E aí cabe uma pergunta final: de que adianta oferecer algo se as pessoas não vão ter acesso?

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