Meu personagem preferido do Chico Anysio era o Alberto Roberto, o ator medíocre e megalô que tirava onda com o De Niro e o Marlon Brando.
Eternamente com uma redinha na cabeça, refestelado num camarim perpétuo, o mítico ator canastrão deixava seu agente Da Júlia (Lúcio Mauro) em pânico com sua soberba, descendo o porrete na atriz com método stanislavskiano, no jovem aspirante a galã, na atriz veterana com indicação ao Oscar.
Por que o Alberto Roberto?
Porque era um personagem anticorporativo, que satirizava o star system caboclo e suas idiossincrasias, porque Chico parecia que ia gargalhar a qualquer momento com sua própria ousadia.

Eu conheci Chico Anysio de um jeito torto.
Eu escrevi, nos tempos da Veja SP, uma crítica de uma exposição das marinhas dele, umas pinturas acadêmicas incipientes que ele trouxe a São Paulo.
Na semana seguinte, tava escrevendo no computador e vi que parararam uns caras na minha frente. Levantei a cabeça e ele tava lá. Minha barriga gelou.
Achei que tinha vindo para me desancar.
Mas foi elegante e cortês, disse que a pintura era um hobby, que ele sabia de suas limitações e que eu tinha até dado uns toques bacanas.
Mentira: eu tinha destroçado.
Mas adorei tê-lo visto, era como um clipe do Talking Heads na minha frente, um rosto que ia adquirindo mil faces: Pantaleão, Salomé, Souza, Painho.
Era um camaleão.
Didi Mocó e ele são os grandes humoristas clássicos do Brasil, curiosamente os dois da TV.
Mas Didi é o palhaço de circo, é o astro mambembe, é o improvisador que passa a mão na bunda do espectador escolhido.
Chico Anysio não. Esse era um ator refinado, um sofisticado caricaturista da panaceia social. Via nossos homens sérios por um espelho de deformação, e era brilhante na interpretação dessas deformações.

Eu o conheci, e creio que ele estava louco para me dar um gancho de direita.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

5 COMENTÁRIOS

  1. Esqueci de mencionar: adoro também o sarro que ele tira naqueles nomes compostos que, em determinada época, o Brasil achava chique: Alberto Roberto, Roberto Carlos, Glória Maria, João Gilberto, Ed Carlos, Bob Nelson, Eva Wilma, John Herbert (acho que este último foi grande inspiração para o Chico)….

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