foto: nan

com umas pernadas, ele derrotava um destacamento inteiro de policiais.
negro, homossexual, trocado na infância pela família por uma égua.
com navalha e golpes de capoeira, defendia prostitutas da violência dos clientes.
foi o primeiro herói da lapa, no rio. um leão-de-chácara mitológico.
seu nome batizou o primeiro grande clube underground de são paulo, nos anos 1980.
joao francisco dos santos, o madame satã.
nasceu em 25 de fevereiro de 1900. morreu em abril de 1976.
viveu 29 anos no presídio da ilha grande.
contaram que, da primeira vez que o levavam para a ilha, ele pediu para mijar e pulou no mar e nadou até niterói.
só o recapturaram já na lagoa rodrigo de freitas, dias depois.
não sei se é verdade ou se o contador misturou histórias.
o pessoal do pasquim pôs seu nome de novo em evidência nos anos 1970.
não li sua biografia, nem vi o filme, mas adorava o fato de ele ter sido a primeira grande drag.
de férias na ilha grande, fui ao cemitério procurar seu túmulo.
tinha de existir alguma coisa, ele foi uma das maiores criaturas da noite brasileira.
o cemitério da ilha grande é pequeno e as sepulturas esfarelam com a maresia.
parecia uma tarefa inútil.
com a ajuda de duas vizinhas que nos olhavam curiosas da janela, fomos até um túmulo magnífico, todo quebrado, que tinha uma pequena selva de espadas de são jorge no alto.
a foto dele sorridente está no verso da cruz.
achamos, festejamos. acho que os restos nem estão mais ali, mas o que importa? foi ali que foi enterrado.
era como se a ilha grande finalmente começasse a contar sua história.
os prisioneiros da ilha grande fugiam em jangadas para o continente.
imagino que madame satã, que deixavam solto pela ilha, tomasse banho na lagoa azul.
imagino que sonhava com a lapa, mas maravilhou-se em ser o rei do abraão.
nenhum homem é uma ilha, e nenhum homem cabe numa ilha, dizem os ditos.
é por isso que a lenda de madame satã foi bater tão longe, no jeca tatu que eu era nos dias em que eu chegava a são paulo, assustado e presunçoso ao mesmo tempo.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

1 COMENTÁRIO

  1. Querido amigo. Estou fazendo uma Campanha de doações pra ajudar os jovens rapazes que estão internados no Centro de Recuperação de Dependentes Químicos onde meu filho está interno também.Lá tem jovens que chegam só com a roupa do corpo,abandonados pela família. Eles precisam de tudo:roupas masculinas,calçados,sabonetes,toalhas,pasta de dentes,escovas de dentes,de um freezer, Roupas de cama,alimentos. O centro de recuperação sobrevive de doações,são mais de 300 homens internos.Eles merecem uma chance. Quem puder me ajudar pode doar qualquer quantia no Banco do Brasil agência 1257-2 Conta 32882-0

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